sexta-feira, 20 de junho de 2014

Ninho-mar

*

Por Germano Xavier


o mar aninha
até os seres alados
a gaivota brinca
no paredão o molusco
não larga a sede
a onda verde
o céu azul
o sal
o homem
(filho que faz visita
e desfere o temporal)


* Imagem: Germano Xavier/Praia dos Carneiros-Pernambuco

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Os tédios alheios

*
Por Germano Xavier


iremos gritar juntos
para as paredes caladas
e nada se moverá e nada
se encantará nem mudará o rumo

e nada faremos nem cânticos de mármore
como gélidas pedras mortas
e mesmo em teimosia insinuante
o gomo da vida não se romperá
pois o tempo é uma maneira de descer
o cume dentro duma avalanche
veloz e rude e nada

traremos à tona nem o motor
dos desacontecimentos nossos
para enfim acontecermos
qual nadas inteiros em tédios alheios


* Imagem retirada do site Deviantart.

domingo, 8 de junho de 2014

Um dia, um texto na mão

*
Por Germano Xavier

Aprendi o gosto pela leitura desde muito cedo. Aprendi sozinho, vale salientar. Lá em casa meus pais nunca foram muito de ler, apesar de suas escolhas profissionais que, pela lógica, os levariam facilmente ao caminho dos textos e das palavras. Meu pai, cirurgião dentista, possuía alguns calhamaços técnicos referentes a sua escolha profissional e alguns poucos exemplares com conteúdos gerais, além de uma linda coleção sobre os mais famosos julgamentos da história da humanidade. Minha mãe, professora, ficava mais próxima de leituras de cunho religioso, assídua devota que sempre foi. Meu irmão mais velho raramente deixava-se acalentar por um livro ou qualquer coisa de igual serventia.

Ler, para mim, foi uma descoberta e uma construção muito pessoal, diria extremamente solitária. Comecei lendo almanaques e revistas velhas, quase todas mofadas, que tirava de dentro de um baú-embornal que ninguém dava importância e que ficava no quarto de bagunças nas proximidades do quintal da casa onde vivi meus primeiros anos de vida.

Com o tempo, fui gostando de gibis, até um dia começar a me interessar por revistas sobre automóveis e motocicletas. Por bons anos, devorei a revista Quatro Rodas e foi por conta dela que não consegui me distanciar das palavras no fim de minha infância e começo da adolescência. Quando a edição do mês chegava, corria feliz para tomar banho só para poder abri-la e saber o que teria ali dentro, como num passe mágico. Um tanto que inusitado, não?

Com um pouco mais de idade e com a experiência ledora sendo constantemente motivada por novas aquisições, conheci a literatura, este mundo sem igual ao qual não penso jamais desabitar. Meus primeiros três livros lidos: O Pequeno Príncipe, Meu Pé de Laranja-Lima e Peter Pan. Lembro que lia na sala de estar com um pires repleto de mel de abelha, que tomava às colheradas de chá. Segredos de mãe que sempre ampara o filho descobridor de mundos... Quando faltava energia na minha rua, já entrado na noite, por vezes lia com duas ou três velas bruxuleando as laterais de minha cama. Era a melhor hora para ler as histórias de horror e suspense.

Daí por diante, foi como entrar num labirinto gigantesco. Logo conheci Dante Alighieri, Herman Melville, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Luís Borges... muitos nomes, muitas estradas, muitos personagens, muitas histórias, muitas estórias e a vontade de fazer parte de tudo aquilo de alguma forma. Comecei a rabiscar meus primeiros poemas. Guardo caderninhos repletos deles até hoje em minhas prateleiras livrescas. Para mim, tesouros de um tempo de amadurecimento. Uma coisa tende a desencadear outra, não? Mas eu confesso, ler nunca foi uma prática simples. Muito pelo contrário.

O ato ledor pede muito de nós, seres humanos. Há sempre um gasto energético em tal ação, o que demanda muito do corpo e da mente. Ana González, em seu livro VOCÊ SABE (MESMO) LER?, aborda um leque de sutilezas que dizem respeito aos nossos momentos ledores. A autora destaca que para ler com qualidade é necessário ter "claras as intenções de sua leitura, os objetivos para os quais ela vai ser empreendida; preparar-se adequadamente para essa tarefa; identificar a fonte, o título e o papel do contexto, antecipando informações a respeito do conteúdo; conhecer um pouco mais os gêneros textuais dentro de um mundo de linguagem e de discursos, que indicam a função para a qual os textos foram escritos; saber que é com esse objeto que vai dialogar", além de ser preciso se enveredar por níveis outros mais profundos do uso da linguagem e do texto em si.

Mesmo sendo suas dicas dirigidas apenas para determinados padrões textuais, o livrinho de González toca a inteireza da problemática. Será mesmo que sabemos ler? O que é ler? Como ler melhor? O que fazer para ler melhor? Questões aparentemente banais, mas que podem significar muito para muitas pessoas. Afinal, perdemos muito quando não aproveitamos todas as tonalidades de um texto, seja ele qual for. E para sermos melhores o tempo todo, conosco e com o mundo que nos cerca, faz-se imperativo ler mais e, principalmente, ler melhor.


* Imagem retirada do site Deviantart.

sábado, 7 de junho de 2014

Trancas

*
Por Germano Xavier


a dor imposta
encaminha uma reforma
interna

a dor posta
no caminho de minha forma
me externa

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Anthony Giddens e a Modernidade Avançada

*
Por Germano Xavier

Reflexões acerca do pensamento de Anthony Giddens, com base na leitura de Cândido Alberto Gomes:

Por volta da década de 70 do século passado, o renomado sociólogo britânico Anthony Giddens criou o que ficaria conhecido por Teoria da Estruturação, esfera do pensamento sociológico que acredita que a Estrutura e o Sujeito se influenciam mutuamente a partir de práticas recorrentes, ou seja, a Estrutura molda o Sujeito e vice-versa. A teoria de Giddens vai de encontro, principalmente, a dois outros paradigmas de pensamento, a citar: o Estruturalismo (estruturas dominam o homem) de Althusser e o Subjetivismo (eleições subjetivas) de Max Weber.

Para Giddens, duas características basais identificam o homem: a sua Capacidade (possibilidade de realizar as coisas de maneiras as mais diversas) e a sua Cognoscibilidade (os sujeitos possuem saber sobre o social, portanto conhecem o que fazem). Estas duas faculdades humanas, juntas, elaboram o que Giddens destaca como sendo a possibilidade de Atuação Social, i.e., de Política.

As transformações da contemporaneidade não indicam para Giddens um rompimento para com a modernidade, mas o seu aprofundamento (uma espécie de fase crítica da modernidade). Sobre isto, Morin (2011, p.23) vai dizer que "a crise da modernidade surgiu a partir do momento em que a problematização, nascida da modernidade e que se voltava para Deus, a natureza, o exterior, se voltou, então, para a própria modernidade".

Neste ínterim, persiste uma espécie de resistência às teorias totalizantes ou globais (referências parciais, sem validade geral - renega a interação de culturas e a harmonização de valores), o que pode ser explicitado em alguns pontos, como por exemplo:

- Fim das metanarrativas (esta nova modernidade é descentralizada, dinâmica e pluralista).

- Multipolaridade (Mundo Pós-Guerra) x Globalização.

- Minorias mais participativas.

- A percepção dos "outros".

- As palavras de ordem são: pluralidade e especificidade.

- Abalo do Eurocentrismo e importância realçada aos países mais periféricos, como o Brasil.

Para Giddens, a modernidade é profundamente dinâmica, flui sempre e gera novas formas culturais e institucionais. Como consequência da mudança, o sociólogo britânico prega o abandono de teóricos clássicos, como Marx, Weber e Durkheim; esboça um fenômeno de dualismo: Segurança x Perigo, Confiança x Risco (onde uma existência segura passaria tranquilamente pela destruição do meio ambiente, pela existência do Totalitarismo e pela industrialização da guerra).

A vida torna-se problemática, os pressupostos são provisórios e os objetivos são questionáveis (tudo o que é sólido se desmancha no ar?). Falta de sentido pessoal (um convite à Prostituição do Ser x Mass Media x Aldeia Global x Cultura de Massa). O corpo agora é mercadológico (moda/publicidade). A possibilidade de produção de auto-identidades (Literatura Pop x Poema-Processo x Concretismo/Neo-Concretismo x Sociedade do Espetáculo) dão o tom de alguns setores, e tudo parece atestar a racionalidade das tendências conflituais.

Tudo parte para a sensação de caos numa modernidade que se liquidifica, tal qual um recorte a la Bauman. Diante de tamanho imbróglio, e parafraseando Paul Valéry, será o homem capaz de dar conta de tudo aquilo que sua própria mente criou?


* Imagem retirada do Google.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

O que existe e apunhala

*
Por Germano Xavier


alvas linhas curvas
melenas caídas sobre o seio
uma face-estrela luz solar
por trás a maneira de abordar-me
de bordar-me
o salto alto esculpe o desejo
suas cores cobrem o pecado
posas tal máquina do tempo
e volta um passado de arranhos
um fulgor juvenil de coxas abertas
abre e fecha a porta do homem
branca e rósea criatura e o laço de fita
desnuda-me o tom revela-me o ser
que sou nas vestes emprestadas
nos verões adormecidos e proibidos
impressos no rigor daninho dos contos
de arribação e censura

obscena é a jovialidade de meus ressurgimentos


* Imagem retirada do site Deviantart.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Partitiva viva vida

*
Por Germano Xavier
* Ilustração de  Cida Mello

de um lado
um poço
de outro lado
o fundo do céu
no meio dos lados
o lado avesso
lado inverso
lado anverso

o verso