sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Passante


Por Germano Xavier

uns degraus
carcomidos, aresta,
soube depois:
a casa está para alugar

não ouço passos, canto
esquerdo:
sou eu olhando, do lado
de fora

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Paragem


Por Germano Xavier

o bar
- quem me dera!
as mulheres altivas
entrando
à toda prosa,
e o absinto no rastro
das sanidades e das quimeras.

não, eu não conheço a muvuca
das pombas;
os mares tortos de vista não me
chegaram,
nem a ânsia de voar em
trôpegas ansas...
posto que nada mais há de mitologia
e literatura.

baixo não estás, o sol arde mesmo
longe,
porque o Homem, cego e rápido,
atravessa
a água negra das tensões
e dos cortes.

ferido, assaz melhor esquivar-se
dos começos.

segui, minha vida em meses
cabisbaixo.
a fronte impressionante
de minha intimidade...
e, sob os auspícios da lua,
adentrei-me,
como em gumes
ou em sangues lubrificado.

e morri mortes de areia...
e esperei esperas de oceanos...
perdido e achado em meu
vil mistério estudante,
de magia cheio dilacerante.

guardei o gosto da alegria,
que jamais senti por completude,
para os infantes – quiçá!, não são deles
a inexorável renovação das intensidades?
não são eles os potes?

não fui nem serei o que chorará
a cintilante plástica das construções
de circo; principio das velas,
e o meu barco bêbado tropeça nas douradas ondas...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Para antes do pipoco


Por Germano Xavier

revolvo
minhas mãos sobre a cabeça
porque são ondas nascentes o algo
de mim e do mundo.
e talvez a noite termine
no dia que amanhecerá
- ou a luz amargará
o breu da brisa da madrugada?

vai haver
um momento de cataclisma
onde tudo virará pedra, e eu,
deixado à guisa dos estampidos,
a matéria de explosão.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Palavrório


Por Germano Xavier

te embrulho minha
máquina
cristalina e redenção, o céu
se
esgota,
líquido e fluido e tenaz e revigorante e má
quina
margem
colina
fina
e
crista
lina linha
redenção

te
embrulho etiqueta
colada, marcada, junta, grudada
no estranho
presente
de minha corp'oração

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Paisagem


Por Germano Xavier

Da janela,
ouço
gigantescos eucaliptos.

Eles,
que dançam
ao canto,
espraiam
as ramas
finas
a balouçar
os verdes meus.

Da janela,
perscruto
eucaliptos que dançam
verdes
a altura precisa
da minha alma
humana.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Numa rodoviária, aceso numa noite caída

Por Germano Xavier

“É assim o homem, caro senhor, com duas faces:
não consegue amar sem se amar.”
(Albert Camus)


Perdi-me na aurora da minha juventude,
dia em que senti o que é o amor.
O sentimento silencioso da agonia do mundo.
Nessa hora, senti o peso da minha fraqueza,
o quanto sou patético e insignificante,
o quanto me ignoro e sou.

Viajei na imensidão dos meus vazios,
e caí!

Caí por terra no que chamo ilusão,
desespero... vontade
de ser maior do que realmente.

Caí!
E quão alto era o precipício,
o meu precipício!,
Construído em lacunas de dias,
forjado em noites de vozes não ouvidas.
Criado pela ignorância.

Tudo muito rápido, mas cicatrizante.
Tudo muito fluido, mas áspero,
feito o ferro das grades do meu coração.

Não sei bem a razão para o fato que consumei.
Porém, justifico tudo o que fiz
quando me dou diante do porta-retrato na sala.
Aquilo sobre o pano úmido da mesa,
donde cultivo meus poemas.

Fora em seus arredores o desfecho,
e o que jamais iniciei.
Fora também ali que vi o surgimento dos breus
que agora me percorrem nessa rodoviária,
solitária feito o viajante que vai
ao encontro.

(...)

Como é triste esta passagem de ida.
Parece não ter volta.
Pareço não ter perdido o medo de não chegar
ao destino resoluto, planejado.

O mundo acaba quando se esgotam os arcos verdes
de uma esperança de amor
eterno.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Oráculo


Por Germano Xavier

para a professora Cibele de Lima


Oracular a tez rubra e o futuro,
caos de mim, o cenho vago do indeciso
tormento, sestroso estro a vaguear-me
em pinacotecas pandemoníacas.

O amoníaco que me trazes, sempre,
no noturno da noite, a benção divinatória,
o teu lenço anímico-aurático de um carmesim
sem fim, sem perdas, sem tombamentos.

Oracular dilucular meus céus em transe,
sulcando o chão dos meus pés infantes,
singrando o maroceano capsular de mim,
assim, sem-fim, nos confins do breu...meu...

Eu?

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O grande arabesco


Por Germano Xavier

Voar
o chão
de bronze é se expor
ao rabisco do eterno.
É tatear
a plumatura
da vida – vale
ser deus por passagem?

As curvas do vento
são cisternas de seda.
A alma, a ilha
que nos suporta.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Olhares de novidades


Por Germano Xavier

saltam aos olhos as
cordilheiras da dúvida
sou só expectativa.
como agir de outra forma,
senão, se não, a de parar,
paralisar-se, diante da novidade?
nova idade.
muita luz nesses instantes
que me desboto, noites em
que navego
pelo bem-querer, minha querença.
viverei, hoje, como vive a coruja das luas
nevoentas, a no sempre olhar de si
com os olhos do mais hesitante desejo.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O equador das coisas


Por Germano Xavier

Fui buscar um punhado de pirilampos
no jardim da minha casa,
deixei países de mim.

Fui ao quintal catar terremotos,
daqueles bem grandes,
e acabei conversando estrelas na areia dos vendavais.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O outro atravessado


Por Germano Xavier

este teu olhar
me olhando, tanto,
me olha
pro que sou
- e o que sou?

sou teu olhar
climático, cheio
de drama, plástico
e corrompido, aguçado
em dor?

ou sou este teu olhar
me olhando,
tanto,
e simplesmente
como sou?

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Um soneto de agora para um amor de sempre


Por Germano Xavier

Leio-te em beijos, minha querida,
do modo como a lua o sol espera,
incendioso, o dia. Lume da era,
anuncias, a mim, a certeza da vida.

Lírio, pesada flor em meu vergel
de estâncias. No teu colo bebo,
no teu colo inflamo... à vida cedo
o amor em diários. E o teu mantel,

quente e perfumado é, no entrelaço
das salivas enlameado, o meu sudário.
Umbral do meu corpo, animo teu regaço

na efusão de amar - falaz mandatário.
Rego-te, nas tardes, nos confins doados,
em jorro - meu cuidar em ti, afãs logrados.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Oaristo


Por Germano Xavier

o amor é nada nos extremos
da inconcebível sombra,
perdida e erva - frágil
decalque e absurdo
arcano.

que direi a ti o amor
que é chama e pecado,
o mais gostoso gosto e incômodo
travo?

por que diante, a torre
erguida e pronto, fana a rosa
máxima
e não inflama a potente
e grave água
da vida?

tua verônica incendiosa
me habita, mesmo se te jogo
e lanço
do distante abraço.
amo o teu contorno
extremo e largo
de nada,
perdida sombra e erva
a verdecer o tempo em mim.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Amarelo Maiakóvski


Por Germano Xavier

piricose
potin
máquina de
guerra

abutre
caído
em
luas

o mar
de
meus
torpores
se rompe
em cristais

e em elásticos
escadeio
meus tratos
e fortes...

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Manancial


Por Germano Xavier

a palidez do amor
em verdade
de moça azul

em meus braços
desaguando

todo aquele oceano
borbotando trêmulos frios

e eu
me iludindo

quis abafar o que vazava
em meu crivo maciço de sentimentos

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Ainda sobre os fatos


Por Germano Xavier

ao ler Lewis Carroll
para a pequena Sofia Gama


Carroll, atirei em tua estrela
distante
e ela me sorriu
um sorriso,
torcido e remoto.

- Lembra que apostamos acertar o sol?

A bala seguiu tão sem força
que mal perfurou a primeira nuvem no céu.
Lá descansa até hoje sua explosão.

A gente corre o mundo, sempre limpa
a nossa espingarda de atirar sonhos,
e no menos clarear dos fatos
é a própria proximidade que damos às coisas
que nos ofusca
e nos opaca os vistos.

- Desse jeito, deixaremos de acreditar
nas estrelas? É escuro o nosso final?

Daremos todos tiros
- e tiros no sol -,
apostaremos nossas esperanças
no destino sem-rumo das balas,
mesmo que luminares anos durem.

... pois que sejam remotas as estrelas.
como você, não saberemos viver sem alvos...

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Baú


Por Germano Xavier

guardado em mim um baú
há no fundo de mim
um baú de ilusões
um baú sentimental
dose mais forte de mim
um baú de releios
um baú de enleios
um baú de encontros
mantido sem fundo
para que nele caiba
o amplo sentido do guardar

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Encontros para liberdade


Por Germano Xavier

Uma borboleta, antes de ser propriamente uma borboleta, é antes uma larva, uma lagarta, e rasteja pelo chão. Só depois vem a mágica da natureza, faz dela um casulo, e da lagarta que outrora rastejava pelo solo brota uma colorida borboleta pronta para realizar o seu primeiro vôo. É quase assim a atmosfera que paira dentro e fora das páginas do primeiro romance da escritora Lilian Farias, intitulado de Encontros para Liberdade, publicado pela editora carioca Multifoco. O que há nas personas fictícias que compõem o arcabouço textual é um afã quase incontrolável pela sensação da liberdade sentida e vivida.

Romance curto, cerca de 90 páginas, que mais estaria para uma novela do que para um verdadeiro romance, com seus poucos personagens e enredo também de curta extensão, o livro apresenta uma densidade temática que pode confundir o leitor desavisado quando este interpreta as páginas inicias do livro, tamanha a singeleza do trato literário dado por Lilian. A escritora, graduada em Letras e membro-correspondente da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni, utiliza-se de uma narrativa simples para contar a estória de Dolores e Clarice, personagens que, no fim sendo personagens-una, seguem caminhos discrepantes até o desfecho do livro, mas que porventura se encontram para a fundação de um porvir baseado em esperanças.

São marcantes nas personagens os delírios da dúvida, o receio da dor, a agonia do medo, os abismos provocados pela ânsia e o fortalecimento num desejo do ser de ser através da conjunção de todos estes fatores. Além disso, o recurso da escolha feita por capítulos curtos também agiliza o processo de leitura por parte do interlocutor. A imaginação construtiva de uma outra imaginação, porventura produzida pela mente das personagens é, talvez, outro elemento de destaque na trama.

Como disse Iêdo de Oliveira Paes, doutor em literatura e professor do curso de Letras da UFRPE/UAST, “nasce uma romancista que transita pelos labirintos mais secretos do humano. Em cada página, ou melhor, por entre fios narrativos que permeiam a tessitura de Lilian Farias encontramos um grande tablado no qual as personagens anseiam por uma busca constante de respostas às várias inquietações do cotidiano. Soluços e sussurros caminham nos discursos que se entrecruzam numa encruzilhada de valores humanos por demais relativos e instigantes. Fluxo contínuo das ações impetradas pelas enigmáticas personagens Clarice e Dolores. Como porta-vozes das nossas dores, sonhos e frustrações carregam nos seus destinos a insígnia dual da contemporaneidade: a construção e desconstrução do pragmatismo humano. Rotular a tecido literário de Lilian Farias é muito arriscado. A literatura é um rio inquieto e muito caudaloso... mistérios! A sua teia narrativa está para além de "modismos" e "impressões"."

Como todo bom livro inaugural de um escritor – há exceções, claro -, há sempre algo para ser repensado, refeito, cortado e/ou ampliado em possíveis novas edições ou em prováveis novos títulos, tanto em questões físicas como em problemas que envolvem o ideário da obra, mas nada que tire a melodia da música tocada pelas jovens mãos da escritora sergipana, radicada há alguns anos em Pernambuco, mais precisamente na região do Vale do São Francisco. O certo é que, disfarçada num sudário literário feito de um estranhamento parcamente límpido, a literatura de Lilian Farias começa, com a publicação de Encontros para Liberdade, a fazer balouçar os primeiros galhos nas copas das árvores do Deus Palavra, cujo ventar das asas de seu infante vôo conseguiu atingir...

Para saber mais, acesse: Poesia na Alma

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Confissões


Relato do dia em que eu, Luís Osete Carvalho e Ayala Lopes Oliveira (até então meros estudantes calouros de jornalismo) conseguimos, na cara e na coragem, uma entrevista com o escritor Ariano Suassuna, no saguão do JB Hotel, em Petrolina/PE. A entrevista na íntegra está também neste blog, basta procurar o texto intitulado "O Ariano sol dos arianos" no rodapé do blog.

Por Ayala Lopes C. Oliveira.

Se me tivessem pedido há quatro dias para escrever sobre a figura de Ariano Suassuna, a minha pena não correria pelo papel. Primeiro porque meu conhecimento sobre ele restringia-se ao Auto da Compadecida – e na versão cinema! – e depois, eu mesma não tinha a menor vontade de aprofundar-me em sua vida e obra... até que aquele paraibano quase octogenário atracou numa margem do Velho Chico e fez-me degustar uma ínfima porção de sua vivência entre casos e livros, iniciando-me em seu vasto mundo.

Eu diria que a “culpa” foi do acaso, mas de pronto retrucariam: “Não. Nada é por acaso!”; então, culpo a existência de dois seres impregnados pela magia do Ariano. Eles convenceram-me a tentar conhecê-lo ainda mais do que supunha ser possível.

A simples idéia de estar perto do homem adquiriu nova figuração para mim. Vi-me entre suspensa, nervosa e curiosa. Sabia dos esforços de meus amigos para conseguir a tão sonhada entrevista (que ficará para a posteridade, nós sabemos). Sentia que eles a mereciam e foi exatamente por merecimento que os convenci a dirigirem-se comigo para o hotel no qual o monstro da literatura encontrava-se. Justo eu! Queria apenas ir para as aulas do dia, depois do rio! Desviei a rota e fui deparar-me com um gigante, num traje singular, repleto de disponibilidade e oferecimento. Melhor será escrever: solicitude. Abordou-nos com atenção e abraços, levou-nos a um espaço mais reservado e permitiu-nos adentrar, particularmente, em sua história tão rica.

Por breves maravilhosos minutos os três estudantes transmutaram-se num só corpo que tremia por completo, fixava os olhos numa mesma face e pouco respirava. Um corpo munido de papel, tinta e gravador; munido da vontade inebriante por Suassuna, o gênio. Infelizmente como tudo que é bom dura quase nada, o bonde já ia andando e a carona nele chegava ao fim. Após autógrafo e risos de puro contentamento, saímos para as ruas da realidade; em vão. Era hora de externar sensações, pensamentos e interjeições. Éramos um rapaz realizado, um moço eufórico e uma garota que acabara de perceber a magnitude do ocorrido...

Ainda hoje, passados alguns dias, impregno-me de nomes, datas, dizeres sábios que ouvi saírem dos lábios de Ariano. Ainda hoje e espero que para o resto de minha vida eu possa relembrar minha presença naquele chão, de joelhos, aos pés do Suassuna e de sua “chama” tão imortal quanto inebriante. Sei agora que não poderia ter estado em outro lugar senão aquele, realizando algo que não aquilo ou com outras companhias senão aquelas.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Chuva oblíqua d'outro Atlântico

Por Germano Xavier

para Luísa Fresta, a Dama de Portugal,
com imenso carinho.


"...Sobre as minhas mãos cheias de desenhos de portos
Com grandes naus que se vão e não pensam em voltar...
Pó de oiro branco e negro sobre os meus dedos...
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,
Sozinha e contente como o dia de hoje..."

Do poema Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa.




esta chuva

que chove de lado
esta chuva
de molhadas águas
que molha a passarela
de pedra
o coração da mulher

alva
esta chuva chuvosa
escorregadeira natural
desafiadora dos passos lentos
de quem vai
de quem vem

esta chuva ancestral
qu'encanta brasis
antiga em Portugal
macia de rumo íngreme
esta chuva fenomenal

esta chuva

que chove de lado
esta chuva
de molhadas águas

chuva de bem e de mal

chuva de Pessoa chuva serena
chuva minha imagem real
esta chuva
imensa chuva pequena
é chuva e coro
e também um sinal

Ainda distante


Por Germano Xavier

assim distante
dos dias
azuis que os pássaros cantam
minha metamorfose constante
como a inconstância das ondas do mar
assim um tanto
deslocado
dos frutos que cultivei
minha coragem é o preço
trocado
por uma tigela de feijão
e tudo em mim é barato
sem custos adicionais
e por isso sou tristemente
devagar
sob o teto do meu quarto
na escuridão das minhas ações
nesse turbilhão que encontro
o perfeito disfarce
para todas as minhas cataratas
assim
assim me faço
forte homem tolo operante
operando a vida da vida
que quis assim
assim feito um despacho
desejável

Agosto de 2001.