domingo, 20 de julho de 2014

Um certo animal surreal

*
Por Germano Xavier

após Un Chien Andalou, de Luis Buñuel e Salvador Dali.


O cão corre em nossa direção com uma navalha na mão e como quem não quer nada o cão não descansa. Somos espectadores natos de uma aflição iniciada logo na primeira cena e estamos completamente abertos ao desconhecido. O cão dirige e atua a peça que não se esgota nem quando se dá por terminada. O cão é um demônio devorador de olhos. Abre a visão do homem que vê como se preciso fosse, tal qual um ato de urgência. O fundamental é ver, enxergar além do que pode ser visto. O cão é radical, não amaina. Somos atingidos por um golpe certeiro e dali para frente não há mais horizonte certo para quem simplesmente quer passar. Estamos todos unidos por uma força surreal e a dúvida é o preço que pagamos por muito esperar. A vida de um homem e de uma mulher, atraídos por um sentimento que não se coaduna em nenhum instante é enlace para quem se atreve. Quando a fuga se torna impossível, o melhor é continuar fugindo. Os cacos uma hora serão juntados, colados pacientemente e deixarão seus estados naturais de coisas apenas. Tudo é expressão, até o que não fala, até o que não se move, até o que não sugere. Tudo é absolutamente excitação. O florescer das verdades delineia o corpo de toda a alma que nos recheia. Sentir é preciso, perceber nem tanto. Sentir, com doçura e crueldade. Ser parte da mão podre e oca repleta de formigas é saber que nem tudo é o que parece. Somos mais. Somos menos. Somos o que podemos ser. Somos o que não podemos ser. Invadidos a todo instante, com ou sem permissão, de forma bruta. O abate é logo. A fera sempre vem. O belo se esconde e altera a morada do sentido. Resta-nos ir, sem governo, para o sonho.


* Imagem: Google.

Um comentário:

Daniela Delias disse...

É o que resta.

Belo, belo.