segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um cobertor de veludo


Por Germano Xavier 

"Sempre é uma medida de tempo que ninguém pode deter."
Tatiani Távora


o corpo pode ser um albergue
onde muitos seres o habitam
porque podemos ser muitos e desinteiros podemos ir
porque todos podem morar no mesmo corpo
e porque podemos escolher usar máscaras
assim como todos os seres que nos parasitam
máscaras risonhas tristonhas de criança de velho de santo de demônio
máscaras com maquilagem ou sem
máscaras que podem ser os rostos verdadeiros diante dos espelhos
daqueles de quem ninguém jamais viu ou ouviu falar
(nem mesmo eles, os próprios)

o corpo pode ser albergue
ou pode não ser nada ou pode não ser tudo
ou pode não ser máscara ou pode não ser um falso rosto
(a semelhança é um estado de imobilidade
- e a imobilidade pode ser ou não ser morte)
parecido pode não ser igual
já que o entendimento é potencialmente dissonante
pois que o corpo é a casa onde não podemos morar

acalma-te, sob este cobertor de veludo
há uma vida toda embaraçada em pernas e melenas,
mas uma vida que te ama agora como ninguém mais
que espera sem pressa a nossa morte conjunta entre pernas
e coisas

não haverá no agora ser de fulgurante espécie
a te desejar mais nas entranhas e nos arredores dos solstícios
que me fazem adormecer no amanhã que amanhecerá
- se tu me cobres com teu corpo,
hei de ocupar o ocaso de teus vãos maiores
para que o rubro nasça do sol entendedor

dê-me teu corpo desinteiro ou sem integridade
a tua alma que não pude ter quando preso no labirinto
que junto pedaços pelo chão e te construo diva em meu divã
em forma de ânfora divinal e, enfim,
te acordo em mim

Pedagogia, Filosofia, Crítica e Escola de Frankfurt


Por Germano Xavier

O texto "A teoria crítica e a possibilidade de uma pedagogia não-repressiva, de Ilan Gur-Ze'ev, nada mais é que um capítulo do livro "Ensaios Frankfurtianos", organizado por Bruno Pucci, Antônio Zuin e Newton Ramos de Oliveira. Nele, Gur-Ze'ev faz uma análise de como a Teoria Crítica influenciou e ainda influencia a atual Filosofia da Educação e o pensamento de grandes teóricos da educação. O autor também mostra que as teorias frankfurtianas também serviram como fundamentação para as mais variadas correntes educacionais. No entanto, não deixa de ressaltar que algumas dessas influências chegaram com características pós-modernas e foram oferecidas ao mundo posteriormente como alternativas à modernidade da própria Teoria Crítica. 

Tal situação permitiu o desenvolvimento de teorias educacionais e progressistas, como as do canadense Henry Giroux, que nos apresentou a sua "Crítica da Ideologia", que enfrenta o conhecimento hegemônico e surgiu como "um instrumento para a educação emancipatória". Gur-Ze'ev ainda mostra que no segundo estágio do desenvolvimento da Teoria Crítica, Adorno e Horkheimer não apenas abandonam o "utopismo" inicial como foram forçados a colocar de lado seus fundamentos filosóficos e a maior parte de suas justificativas históricas. 

Mesmo nos campos epistemológicos mais restritos, mais fechados, de áreas ligadas ao processo de escolarização, bem como de pedagogias feministas, teorias da educação multiculturais, leitura e escrita críticas, assim como de educação estética, é visível a influência das ideias de Theodor Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin e outros membros da Escola de Frankfurt sobre a atual filosofia da educação. E essa interferência vai muito além dos horizontes de uma produção de pedagogias críticas. 

Alguns pensadores renomados da educação, como Paulo Freire, Henry Giroux e Kath-Leon Weiler, deixaram-se influenciar fortemente pelos teóricos críticos da Escola de Frankfurt; outros em menores proporções. Agora, o mais interessante de toda essa análise é perceber como algumas dessas influências surgem vestidas e maquiadas como sendo pós-modernas e, ao mesmo tempo, sendo oferecidas como alternativas à modernidade da própria Teoria Crítica, como se este fosse o único jeito de interromper o processo autodestrutivo da educação em voga desde aqueles tempos. 

O primeiro passo para entendermos esse jogo de interferência entre os pensadores da Filosofia da Educação e os teóricos da Escola de Frankfurt é dado quando percebemos que as contribuições iniciais da Teoria Crítica frente ao projeto de uma pedagogia crítica fora concretizado a partir das obras de Herbert Marcuse e, também, dos primeiros estudos de Adorno e Horkheimer. 

Portanto, os estudos de Adorno e Horkheimer, na segunda fase de suas teorias, acabaram por ser desprezados, deixando assim de nortear os caminhos que as diferentes versões da Pedagogia Crítica iria atravessar a partir daquele instante. A partir do momento em que a Teoria Crítica começou a se tornar defensiva e passou a fazer apologia às críticas dirigidas pela esquerda acadêmica da época, foi que os pensadores da Filosofia da Educação começaram a buscar novas linhas de pensamento e resolveram se enveredar por alternativas pós-modernas (isso na voz de Henry Giroux, educador central da Pedagogia Crítica). 

A nova escolha possibilitou o desenvolvimento de teorias educacionais, ditas originais, como as do próprio Giroux, Peter Mclaren, Weiler e companhia, contribuindo também para a fixação de propriedades repressivas dentro da própria Teoria Crítica. Já o pensamento descartado de Adorno e Horkheimer, ou seja, o da segunda e última fases da Teoria Crítica, se usados poderiam ter contribuído no estabelecimento de uma contra-educação reflexiva. 

A parte que foi aproveitada pelos pensadores e filósofos da educação, ou seja, a primeira fase da Teoria Crítica fundamentada em Adorno e Horkheimer, caracteriza-se por ser fundamentalmente otimista, revolucionária e positiva. Tem uma origem marxista muito evidente, fundada na realidade materialista, interesses de classes e desenvolvimento econômico. 

É justamente nessa fase que Horkheimer vai criticar o utopismo filosófico de Marcuse, que, segundo ele, caminhava em direção a um niilismo e esgotamento crítico. Embora pouco se refiram à teoria da educação, de forma direta, tantos os problemas levantados por Theodor Adorno quando os por Max Horkheimer, foram de grande relevância para sustentar um quadro mais homogêneo para uma pedagogia revolucionária. Só lembrando que o tom da Teoria Crítica da época era o de que nenhuma teoria é neutra, talvez esse o motivo de tamanha flexibilidade nas teorias dos dois campos de estudo.

Aconchego



 Por Germano Xavier

arrombo corações na prisão
como quem rompe o cofre mais seguro
ninguém nasceu para da dor virar fruto
sem nem semente brotar em floração

sábado, 23 de junho de 2012

Eu também



 Por Germano Xavier

sinto falta
boto o disco pra tocar
aquela música
(falta que é mais que saudade)
aquelas músicas que escutamos
fumando pelos cantos afora
lembro dos finos fios de chuva beijando o chão
você sentada esperando um homem estranho
um homem com cara de abominável homem das neves
sinto falta e me lembro bem
a minha motocicleta enciumada teimando a pega na garagem
sem querer partir e me doar a você estranha como eu
você tinha gosto de cigarro e medo
sinto falta quando digo que estou com saudades
de tuas costas largas e de tua boca imensa
(isto não é amador demais nem me dói escrever)
é apenas um canto sem nenhuma espécie de celebração
eu que sempre quis mais de você
até carregar suas malas escadas acima quis
(mais do que poderia me dar)
até grilo você trouxe em sua macumba
e suas histórias
e suas fugas
e suas invenções

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Genial

"Gênio" - Ilustração de Cida Mello


 Por Germano Xavier

olhar tudo (com os olhos)
de(o) gênio
- para tudo -

o gênio da luz
da lâmpada
é o ver trans(verso)
ocular em olhar para dentro
dos foras aforas

olhar é sair do escuro
ser fluido o bastante
para deslizar através das portas
respingar vestígios
aconselhar pedidos
e ver jorrar gemação

Meus andamentos em Jampa (Parte IV)

Algumas igrejas no centro de João Pessoa-PB.










Sobre quedas e apogeus (Parte II)


 Por Germano Xavier

Continuação:


Um dos livros didáticos que serviram de base para análise da respectiva produção textual foi o intitulado "História em Movimento", Volume 1, de autoria de Gislaine Campos Azevedo e Reinaldo Seriacopi, da Editora Ática e publicado no ano de 2010. Os capítulos utilizados para averiguação dos resultados foram os respectivos: "Os primeiros séculos de Roma", "A República em crise", "O Império Romano", além de uma parte final chamada de "Fechando a unidade", cujo subtítulo se chama "Direito e Democracia".

Diferentemente do que se apresenta na maioria dos livros didáticos, o período que compreende o ano de 476 no livro não é visto como um marco para o fim da Antiguidade e o início da Idade Média. A abordagem é mais suave com relação a isso. Em primeiro lugar, o ano de 476 é visualizado no livro didático em questão como a data do tombamento do último soberano pertencente ao Ocidente, pois como todos sabem o Império Romano continuou a existir, sem ruptura, mesmo depois desta data.

Talvez, a única diferença plausível e facilmente percebida é a de que sua capital passou a ser a cidade de Constantinopla. Já no século VI d.C., os imperadores de Roma do Oriente perseveraram no ato de governar praticando um modelo semelhante com o feito por Constantino no século IV ou até mesmo dos imperadores de antes do Cristianismo. Justiniano, imperador que governou Roma entre os anos de 527 e 565, basicamente utilizava das mesmas táticas de seus anteriores.

No livro fica muito clara esta percepção. O livro selecionado utiliza-se de várias passagens para elucidar os fatos relacionados ao determinado período histórico. Há sim a utilização de textos de apoio que, com base em discursos de intertextualidade, fazem com que o estudante/aluno/usuário do livro possa enveredar por outros caminhos em busca de um entendimento mais amplificado. Boxes e questionários também fazem com que o leitor se sinta mais informado sobre os acontecimentos a que se destinam os estudos.

Os livros também possuem mapas e algumas imagens que facilitam o andamento do processo de ensino-aprendizagem. Há também dicas de livros e filmes destinadas ao aprofundamento de temas. Quando o texto começa a falar sobre o governo que esteve em voga pelo menos durante metade do antigo Império Romano do Ocidente, já que havia reconquistado regiões como a Itália, o norte da África e o sul da Espanha, o discurso também se mantém um tanto quando interdisciplinar, apontando outras esferas do conhecimento para efetuar a abordagem das temáticas.

Em contrapartida, o livro didático estudado não deixa dúvidas de que o fim do século V d.C. viu à troca do poder romano nas plagas ocidentais pelo de reis que lideravam comandos de exército formulados por grupos da Germânia oriundos de localidades exteriores ao império.

Entrementes, mesmo que o livro não deixe muito claro a não autodenominação dos romanos, grande parte desses monarcas seguiram germinando um governo aos moldes romanos. Entrar no assunto em “declínio” e/ou “queda”, ligando tudo isso à Linguagem e à Filosofia, preconiza ter existido, sim, um auge e/ou uma ascensão, o que porventura pressupõe ter existido um momento mais ou menos de esplendor. A Linguagem, neste caso, impõe-se como uma ferramenta imprescindível ao entendimento do todo, assim como a Filosofia, que ajuda na amplificação e na potencialização das dúvidas que farão das incertezas elementos menos problemáticos. Por fim, o uso de tais instrumentos e ciências serve para indiciar a ideia de auge e, também, a de ascensão, até porque nem tudo é como se pensa que é.

Algumas das referências presenciadas nos capítulos que embasaram a realização desta análise são:

FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
CORASSIN, Maria Luiza. A reforma agrária na Roma Antiga. São Paulo: Brasiliense, 1988.

Meus andamentos em Jampa (Parte III)

Centro e Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa-PB.






Nova publicação na Chapada Diamantina


 Por Germano Xavier

A revista VIVA MAGAZINE - ORIENTANDO VOCÊ, com sede na cidade de Seabra-BA, surge no cenário de publicações periódicas da Chapada Diamantina com caráter de novidade - mas de um novo com cara de velho, convenhamos. De acordo com informações colhidas no editorial do próprio veículo, inicialmente a tiragem mensal está estimada em cerca de 12 mil exemplares, em policromia e com o conteúdo sendo distribuído em 48 páginas. A primeira edição traz uma imagem sobre a seca que assola a região estampada em sua capa. As matérias, de variados temas, são bem apresentadas, possuem boa logística de diagramação e edição, o que não se pode dizer do conteúdo de algumas matérias, que "cheiram" a matérias pagas pela administração de algumas prefeituras locais ou outros tipos de órgãos, apresentando tom elogioso e de credibilidade duvidosa. O destaque vai para as matérias de cunho histórico-jornalísticos escritas por Renato Luís Bandeira e Ivan Guanaes, escritores já bem conhecidos nesta porção territorial da Bahia. A VIVA MAGAZINE vem se juntar a revista Noite & Dia, aos jornais Correio Chapada e O Equador das Coisas, este último voltado para a divulgação literária e artística, e pretende aumentar o conjunto de mídias informacionais chapadeiras. É esperar para conferir as próximas edições.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Templo-vox



 Por Germano Xavier

embeber minha voz congruente
(que voz é a minha voz?)
e retirar, com desdém, de dentro
de um meu algum dentro
um Tempo-Cupido flertado com a vida
- se bem vos não quereis ouvir
qual mesmo bem-aventurança,
a do grito?
para quê serve minha voz alargada em estreitezas
que não produz manifesto algum senão o de amar
a escuta?
voz-madrugada é a minha voz-lustre
dentro de você que é tenda.
sou um corcel perdido na vazão de um deserto
que, ao contrário de mim,
teme, esquece, estima, e morre.
(que voz é a minha voz?)
diabo enganado,
achado trocado,
soldado desarmado
lançado em minha escuridão...

segunda-feira, 18 de junho de 2012

No reino do barro e da criação



 Por Germano Xavier

O perfil jornalístico parece um recurso fácil para um escritor que resolve fundar um reino dentro de uma realidade objetiva ou, ainda, “mitificar” uma personagem. Coragem é o que não falta a Emanuel Andrade, salgueirense radicado em Petrolina, que após inúmeros encontros com a louceira Ana Leopoldina dos Santos, a Ana das Carrancas, resolve documentar a trajetória de vida e criação de uma das mais ilustres artesãs do nordeste brasileiro. O livro A Dama do Barro é um retrato, dentre vários possíveis, de uma sertaneja que, mesmo atravessando os difíceis obstáculos de uma existência sem regalias, soube gerar um novo mundo a partir das suas necessidades. O que não é desencontro num lugar onde o tempo nega-se à linearidade, ao menos o da perfilada - as informações da evolução da narrativa recuam, antecipam-se -, perde-se no que parece essencial, justamente para que o leitor possa, ele mesmo, andar por um universo artístico produzido por uma mente iluminada. Nas condições em que transcorre seu percurso de fugas, sempre no anseio de uma situação mais digna para se viver, Ana escancara momentos que marcariam profundamente o seu destino, como as viagens que fizera às cidades de Picos e Petrolina, o casamento com o deficiente visual José Vicente de Barros, o encontro “fantástico” com o rio São Francisco e a realização de seu maior sonho: a construção do Centro de Arte e Cultura Ana das Carrancas. A multiplicidade de olhares e significados atribuídos às misteriosas carrancas faz o próprio autor, na apresentação, procurar o que traria unidade ao livro, “uma história que tocará aqueles que têm sensibilidade para com a beleza que ainda existe no centro, ou no fundo do coração, do ser humano; o qual enxerga, com olhos bem acesos, a arte como outro ponto de partida para tudo que é belo no horizonte da vida”. Toda a carreira desta “sertanartista” nascida no Sertão do Araripe, suas perdas e suas glórias, sua devoção ao barro (matéria-prima de suas iluminações) é, sem dúvida, o leitmotiv para o livro que pretende relatar boa parcela do universo intempestivo de uma mulher que veio ao mundo disposta a ser, literalmente, maior do que a vida.


Texto publicado no Jornal Laboratório Cobaias (Publicação UNEB/DCHIII/2007)

domingo, 17 de junho de 2012

Sobre o selvagem



Por Germano Xavier

A Luís Osete


Ele está - porque me perguntam, respondo, os lógicos -
ali, tão perto e tão distante, tão-somente
só em se deixar estar perdido, inerme,
disfarçadamente esconde tua cidadela,
teu forte, nos arroubos do branco.
Tua tez, tua estrela - o teu fado?, fardo? -
de universar, de mundar, de amadurar
em sempre. Aonde tu vais, passarinho?
- perdido, ai, na perdição mais deliciosa,
a arte, de viver, de sonhar, de estar
sendo, onde tu te encerras? -, bicho
do mato que nem eu - esse menino
é muito homem. Viajado, procura a viagem
que nunca faremos, mas que ela existe,
tua procura. Investiga, deslinda, os
sons, os barulhos, as pegadas do tempo
que jamais ouviremos, mas que elas o habitam,
um caçador. E quando batem à porta,
digo que está, e que não te atenderás
porque navega o inextenso espaço. Vais,
não acompanho, deixo-te seguir, não singro
teu mar, respeito-te, amigo, irmão, nosso oceano
de ganhos desponta - tua psicologia em silêncio
e ausência - mais que presente em se estar
junto, teu jeito, meu jeito, o jeito
desajeitado de ajeitar o mundo, tantos.
A liberdade na chave que carregas, de ouro
o olhar, o gesto, o apreço, a manipulação
das horas. E quando te chamam, persisto,
e digo - atenderás, os lógicos? -, não a ti,
mas aos que vêm, curiosos, teu desgoverno.
Não te acordo, deixo-te o sono, eterno,
deixo-te a paz, dos desvarios, das certezas loucas.
A tua verdade, anda, não te prives, vais,
qual bicho do mato, sem vis governos.

sábado, 16 de junho de 2012

Ele: Ariano Suassuna



 Por Germano Xavier

Abaixo vocês lerão o editorial do segundo número (esse escrito por mim, posto que a escrita deste excerto se dava em revezamento contínuo) da Revista Visões - antiga publicação "marginal" elaborada por um determinado grupo de alunos no início do curso de Jornalismo da Universidade do Estado da Bahia e, também, uma rápida entrevista com o escritor Ariano Suassuna, realizada no saguão do Hotel JB, em Petrolina-PE.

Editorial

Saudações, caros leitores!

É com grande orgulho e satisfação, para nós integrantes da Visões, o afloramento de mais uma edição de nossa revista. Depois de horas de debate e planejamento, decidimos tornar o projeto "materializante de ideias" num processo mensal. É isso mesmo! A sua mais nova fonte de conhecimento e de leitura construtiva vai estar todo mês esperando por você. O sucesso cativante e a repercussão positiva, concernentes aos textos que fizeram parte da primeira edição, impulsionaram-nos enormemente em direção ao movimento de prosseguimento do trabalho que iniciamos. E aqui está o resultado de mais um esforço coletivo, baseado na superação individual e na harmonia de um conjunto interessado na construção de um caminho mais libertário, mais humano e consciente, onde o desafio da vida é o combustível gerador de toda a nossa manifestação. O objetivo está mais transparente e límpido. Os alvos que almejamos estão menos distantes de serem atingidos, pois a cada frase escrita, a cada texto criado e a cada suor derramado ecoa em nossos corações o fascinante desejo de continuidade em busca de uma vitória. Faça parte deste mundo visionário, você também! Leia! Discuta! Abra as janelas para uma nova visão e leve adiante essa ideia.

Por Germano Xavier.

Entrevista
(Por Luís Osete, com apoio de Ayala Lopes e Germano Xavier)

A chama eterna do Imortal

Alguém me cutuca:
- Encosta o gravador na boca dele!
Gravador em punho, as pernas de Ariano já estão cruzadas e seus olhos pedem. Viemos, vimos, e agora é chegada a hora de entrevistarmos. Mas antes ele tem uma dúvida:
- Vocês são daqui mesmo de Petrolina?
- Não, nós somos de Juazeiro.
- Juazeiro, sim.
O pigarro veio como um aviso. É necessário começar:

Revista Visões - O senhor, no discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), afirmou que "a força da tradição verdadeira é aquela na qual não limitamos a cultuar as cinzas dos antepassados, mas tentamos, sim, levar adiante a chama imortal que os animava". Então, qual é a chama imortal que te anima?

Ariano Suassuna - Bom, eu citaria como os mestres, aqueles que estabelecem uma tradição na qual procuro seguir, escritores como [o novelista espanhol] Cervantes (1547-1616), [o comediógrafo, diretor e ator francês] Molière (1622-1673), [o romancista, teatrólogo e contista russo] Gógol (1809-1852), os grandes clássicos gregos, como [o dramaturgo] Sófocles (496-399 a.C.) e [o poeta épico] Homero (séc IX-VIII a. C.). E, no Brasil, procuraria seguir muito de perto o meu mestre [engenheiro e jornalista] Euclides da Cunha (1866-1909), [o poeta satírico e lírico] Gregório de Matos (1633?-1696), o dramaturgo Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739 e [o romancista e contista] Lima Barreto (1881-1922). São os mestres que me tocam mais de perto.

Visões - A aula-espetáculo, como o senhor mesmo afirma, "é um espaço criado para deflagrar uma discussão sobre a cultura brasileira", e sua primeira aula foi aos 19 anos...

Ariano - Aos 19 anos, apresentando 3 cantadores [os irmãos Batista-Dimas, Otacílio e Lourival] e um poeta popular [Manuel de Lira Flores], no teatro Santa Isabel, Recife. No dia 26 de setembro (dia desta entrevista) de 1946.

Visões - O que mudou de relevante no modo de se estar pensando a cultura brasileira?

Ariano - Eu tenho uma visão, como você mesmo acaba de citar reportando-se ao meu discurso, de uma espécie de continuidade da cultura brasileira, e mais recentemente, procuro me manter na linha traçada pela Escola do Recife, do [crítico, historiador da literatura e polemista] sergipano Sílvio Romero (1851-1914). O romance de 30, o folheto de cordel e os espetáculos populares brasileiros também exerceram uma influência fundamental na minha formação. Agora, quando disse esta frase [no discurso de posse da ABL] eu estava vendo que a situação da cultura brasileira se encontrava pior do que está atualmente, quer dizer, acho que hoje já está mudando alguma coisa. Você veja, por exemplo, a Rede Globo hoje está procurando se aliar a nós que defendemos a cultura brasileira. Antes havia uma espécie de indiferença ou hostilidade, hoje você vê na Rede Globo, num programa visto como é o Jornal Nacional, um quadro chamado de Identidade Brasil, ou seja, a Globo está começando a se preocupar com a identidade cultural brasileira.

Visões - Quando surgiu a preocupação de proteger a cultura popular do lixo produzido pela indústria cultural de massa?

Ariano - Ah, isto foi muito cedo, eu era talvez da sua idade quando comecei a me preocupar com isto. Entrei na faculdade de Direito com 18 anos e me juntei ao movimento do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), sob a liderança do [romancista, dramaturgo e ensaísta] Hermilo Borba Filho (1917, PE - 1976), um escritor que desempenhou um papel muito importante na minha formação. O TEP já tinha esta preocupação de preservar a nossa cultura e lutar contra o processo de descaracterização e de vulgarização da cultura brasileira, processo este que estava em curso já com os meios de comunicação naquela época e que se agravou daí em diante. Realmente, agora, estou notando por parte da juventude uma coisa que me deixa muito animado, os jovens hoje, da sua idade, estão mais preocupados com isto do que as pessoas de meia-idade, dos velhos como eu... alguns têm esta preocupação.

Visões - No dia 7 de outubro o senhor completa 60 anos de vida literária...

Ariano - Publiquei pela primeira vez um poema [Noturno] no dia 7 de outubro de 1945, no Jornal do Commercio, de Pernambuco.

Visões - O senhor poderia enumerar alguns méritos e equívocos que marcaram sua trajetória literária?

Ariano - Eu me preocupo muito com aquilo que fiz quando escrevi minha primeira peça, Uma Mulher Vestida de Sol (1947), tinha 20 anos de idade. Aos 30 reescrevi-a, já preocupado porque estava achando que tinha faltado alguma coisa. Uns 30 anos depois tive um pedido do meu amigo [cineasta e diretor de televisão] Luís Fernando Carvalho para que eu permitisse ser adaptada à televisão, aí fiz uma terceira versão, e acredito que ainda vou fazer uma quarta.

Visões - Quem são os artistas atuais que melhor representam o espírito do Movimento Armorial [surgido no dia 18 de outubro de 1970, com o objetivo de criar uma arte brasileira erudita, baseada nas raízes populares da nossa cultura]?

Ariano - Olha, nós temos um grande artista plástico [gravador, pintor, desenhista e professor] chamado Gilvan Samico (1928, PE -), que eu considero o maior gravador brasileiro de todos os tempos. Agora, nós já estamos na quarta geração de Armoriais. O movimento começou com 4 artistas; dois músicos: [o compositor, arranjador, violonista e regente] Guerra Peixe (1914, RJ - 1933) e [o compositor e instrumentalista] Capiba (1904, PE - 1997), Gilvan Samico e eu. Então esta foi a primeira geração de artistas armoriais. Depois veio uma segunda geração, integrada por músicos como Clóvis Pereira (1932, PE-) e Jarbas Maciel. A terceira geração teve pelo menos dois grandes artistas: o multiartista Antônio Nóbrega (1952, PE-) e o compositor Antônio Madureira (1949, PE-). E a quarta geração [geração que consolidou as manifestações da estética armorial nas artes plásticas], onde estão meu filho Manuel Dantas Suassuna, Alexandre Nóbrega [assessor de Ariano], o ensaísta, romancista e poeta Carlos Newton Júnior e Guilherme da Fonte (genro de Ariano).

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Ariano sol dos Arianos



 Por Germano Xavier

Manhã de 26 de setembro de 2005. Um alvorecer como todos os outros, normal? Fosse normal e este texto não existiria. Fosse apático e não haveria esta minha inquietude em escrever. Sol. Por volta dos 40 graus. Temperatura elevada em corpo e alma.

O telefone tocou:
-Venha para Petrolina. Acho que vai dar certo!

Olhei o relógio. Os ponteiros marcavam doze horas e vinte e seis minutos. Por um instante travei confusa batalha com a pressa. Eu era um alvoroço. Fechei a porta de casa, e era como ter a leve impressão de ter esquecido algo importante. Mesmo assim, caminhei. As horas eram pássaros.

Logo a orla, as barcas, a ponte, o majestoso rio São Francisco... e o verde, o verde de toda a minha esperança. Lembro que, durante a travessia do Velho Chico, folheando as páginas de meu caderno, encontrei um poema do Abgar Renault numa folha solta. Confesso que não consegui lê-lo, e se li não houve compreensão alguma, tamanha era a convulsão interna em minha criatura.

Cheguei. Mais alguns passos e acabaria avistando, numa esquina, sentados, com caras de expectativa, meus colegas Osete e Ayala. Três pobres mortais, alguma pressa, alguma paciência, algumas perguntas e nenhuma resposta. Dois ou três quarteirões vencidos e logo estaríamos no portão de entrada do JB Hotel. Um olhar de soslaio e a ligeira constatação: lá estava ele, sentado, ao lado de sua esposa Zélia e de mais duas pessoas.

Parei, atônito com a complexidade do momento. Nesse ínterim, percebi que tinha realmente esquecido algo de relevante em meu aposento. Tivera eu esquecido, sob o meu travesseiro, o significado da palavra "profissionalismo", e percebi que assim estaria mais livre.

Entramos. A vontade era insana. Osete foi ao encontro de Alexandre Nóbrega, assessor do Imortal paraibano de Taperoá. Nesse momento, o "Titã Sertanejo" se levantou , olhou sorrateiramente para nós (eu e Ayala) e, amorosamente, abraçou uma senhora. O clima era de despedida. Logo pegaria um avião (ação que detesta), com destino à cidade de Recife, onde mora atualmente.

Foram dez minutos com ele, ao lado dele, sentindo o transpirar arfante de uma alma de 78 anos de idade e de uma brasilidade única. Confesso que no auge do meu cataclisma, minhas pernas tornaram se bambas. Confesso, também, que não prestei a devida atenção na entrevista produzida por Osete (que também tremeu). Não haveria como. Ayala, de joelhos, copiava o que se podia. Tantos nomes, tantos autores, tantas referências, tanta vida... e um só nordestino. Prendi-me ao teu vivo olhar, à tua face singular, às tuas brancas sobrancelhas, àquelas mãos marcadas por veias proeminentes, ao contraste do lenço branco no bolso com o seu paletó de linho negro, provavelmente feito por uma costureira popular desse vasto nordeste, ao teu cruzar de pernas, ao teu pigarro viciado, à tua voz rouca, à tua serenidade, àquele Brasil natural, sem plásticas.


Texto publicado na saudosa "Revista Visões! Materializando Idéias", sobre o contexto e a emoção de conseguir estar ao lado de um dos maiores nomes de nossa literatura, Ariano Suassuna. A entrevista fora publicada na íntegra na edição de número 5 da revista. Osete e Ayala são colegas de faculdade e, assim como eu, devem guardar na memória esse momento indelével e único.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Panorama comunicacional boliviano



 Por Germano Xavier

→ Breve histórico do país
A Bolívia é um país que pertence à América do Sul. Limita-se a norte e a leste pelo Brasil, a sul pelo Paraguai e pela Argentina e a oeste pelo Chile e pelo Peru. Tem como capitais, Sucre e La Paz. É um país sem litoral, considerado o mais pobre de todas as nações da América do Sul, possuindo baixos índices sociais. Também possui a segunda maior reserva de gás natural do continente, apenas superado pela Venezuela.

A população é predominantemente indígena ou de origem indígena, o que faz da Bolívia um país multicultural. Fora das maiores cidades, é comum não se entender espanhol. O povo boliviano é bem receptivo. Quem vai ao país tem que mascar folha de coca e beber chicha; lembrando que a folha de coca é sagrada, receba sempre com as duas mãos.

REPÚBLICA DA BOLÍVIA
• Nome Oficial: República da Bolívia.

• Superfície: 1.098.581 km².

• Situação geográfica: América do Sul.

• Limites: Está atravessado pelos Andes e limita a oeste com Chile e Peru, ao norte e ao leste com Brasil e ao sul com Paraguai e Argentina.

• População: 9.427.000 habitantes (2004)

• Capital: Sucre é a capital constitucional da República e sede da Corte Suprema de Justiça. A sede do governo está em La Paz onde residem também o poder Legislativo e as Embaixadas estrangeiras acreditadas.

Bandeira: Três linhas horizontais de cor vermelha, amarelo e verde.

Moeda: Boliviano

Principais cidades:
Santa Cruz de la Sierra (1.135.526 habitantes);
La Paz (1.004.440);
Cochabamba (517.024);
Sucre (215.778);
Oruro (215.660);
Tarija (153.457);
Potosí (145.057).

→ Comunicação Boliviana
Os meios de comunicação direta, a mídia alternativa e mídias impressas, eletrônicas e digitais da Bolívia, não são acionadas de forma articulada, bem pensada em busca de espaços para visibilidade pública de resultados. O jornalista boliviano, sozinho, não dá conta de fazer escolhas, indicar caminhos, mediar conflitos, pois não possui uma formação sólida, com base conceitual, conhecedora da sociedade. As áreas profissionais, jornalismo, publicidade, propaganda, relações públicas, radialismo, televisão, editoração, multimídia, produção audiovisual digital têm todo um campo fértil aí, em que essas mídias podem ser criadas e recriadas.

Segundo Alejandro Grimson, licenciado en Ciências de la Comunicación e professor de la Faculdade de Ciências Sociales de la Universidad de Buenos Aires, o jornalismo praticado no Estado boliviano é deficiente, igual e reduzido à reprodução de paradigmas estrangeiros, com pouca originalidade, sem grandes novidades, inapto à defender o seu povo culturalmente e ineficaz na construção de uma cadeia flutuante de significados. Poucos meios defendem os interesses de uma massa marginalizada décadas a fio. Nada se faz para proteger o nativo, mas muito produz-se no âmbito de satisfação internacional. Desse modo, a fomentação de uma identidade boliviana fica prejudicada terminantemente.

Para Luiz Ramiro Belttran, estudioso das comunicações na América Latina, o rádio popular da Bolívia, ainda consegue lutar pelos direitos dos campesinos. Todavia, a verdade é que nenhuma esfera da comunicação boliviana destina-se uma boa parte de seu olhar para o seu povo, para a sua cultura, para o seu universo, o que é extremamente prejudicial.

Atualmente é difícil compreender a vida dos grupos sociais bolivianos sem os meios de comunicação de massa, os quais encontram-se pouco inteirados ao cotidiano das pessoas. Assim, a relação, que se estabelece entre as pessoas e os meios de comunicação, merece ser estudada, pois esse processo envolve uma (des)subjetividade, influências culturais, sociais, entre outras.

Ao analisarmos as transmissões das rádios e das emissoras de televisão localizadas em cidades da Bolívia, estaríamos extrapolando assim a questão de que não é na geografia que se localiza a fronteira, uma vez que o território pode ser entendido como um espaço de criação e recriação da sociedade, do povo e dos grupos.

Pouco se mostram diferentes do modelo brasileiro. As emissoras de televisão, rádio e também os impressos, acabam por corroborar um ideal de jornalismo norte-americano, baseado na espetacularização, sempre seguindo regras e normas já consagradas.

16 periódicos impressos (encontrados na pesquisa) que circulam no território boliviano. São eles:1) Correo del Sur ( Jornal de Sucre)

2) Diario Hispano Boliviano (Jornal Espanhol com extensa cobertura dos acontecimentos bolivianos).

3) El Deber Diário Mayor (Jornal de Santa Cruz de la Sierra)

4) El Diario (Jornal da capital La Paz, de circulação mundial)

5) El Nuevo Día (Jornal de Santa Cruz de la Sierra)

6) El País

7) El Potosí (Jornal de Potosí)

8)La Estrella del Oriente (Santa Cruz)

9) La Patria (Jornal da cidade de Oruro)

10) La Prensa (La Paz)

11) La Razón (La Paz)

12) Los Tiempos (Jornal de Cochabamba)

13) Periódico Jornada (La Paz)

14) Petroleum World News (Notícias sobre o setor petroleiro)

15) Pulso Digital (Semanário on-line)

16) Washington Post – Bolivia (Filial - É escrito em Inglês)

Canais de Televisão:
1)Canal 39 (Santa Cruz de la Sierra) Exibe noticiário/novelas/séries/musicais...

2)Gigavision (Atinge todo o território boliviano) Idem ao anterior

3)Megavision Cana 118 (Santa Cruz de la Sierra) Reprisa vários programas do Multishow

4)Red.A.D.venir (Programação Religiosa)

5)Unitel TV (Só notícias)

31 emissoras de Rádio bolivianas (encontradas na pesquisa). Entre elas, estão:
1) Rádio Panamericana (Esporte 24 horas)

2) Rádio Fides 2001

3) Rede de notícias ERBOL (74 filiais)

4) Rádio Estrella 93.1 Cochabamba

5) Rádio Latina

6) Rádio Fm Bolivia (Só música boliviana)

7) Rádio Pío XII (Programação religiosa)

8) Rádio Kollasuyo (Informações sobre a mineração)

9) Radio Fm Bolivia Musica Boliviana las 24 Horas (Música e Esporte)

Trabalho da disciplina "Panorama Latino-Americano da Comunicação" (2007)

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Cidades sem música "erudita"



Por Germano Xavier

Juazeiro e Petrolina tem déficit na cultura da música dita “clássica ou erudita”

“Não sei nada sobre música erudita”, pragueja a estudante de História Lilian Silva, de supetão, quando abordada por nossa equipe. Talvez ela nem desconfie da significação de sua frase, mas as palavras proferidas por ela, naquele momento, representam o conceito predominante acerca de um segmento musical mais apurado e que é compartilhado pela maioria da população brasileira, do nordeste e, para afunilar ainda mais, das cidades de Juazeiro e Petrolina. Ainda hesitante, devido à nossa presença, Lilian continua a construir enunciados, na tentativa de opinar sobre as fronteiras existentes entre o que poderia ser considerado “popular” ou “erudito”, dizendo: “Acho que as pessoas consideram o que é popular tudo aquilo que é diferente do erudito... como se o que fosse oriundo do povo não pudesse ser tido como “clássico” ou “rebuscado”... como se “clássico” fosse apenas o que é “refinado”. Isso é evidente. Se você falar em cultura como manifestação artística, invariavelmente você estará falando de duas facetas, o “clássico” e o “popular”. As pessoas sabem que existe uma espécie de divisão, mas creio que não seja algo ainda claro nas suas cabeças”.

O termo “música clássica” é sabido até por quem nunca ouviu falar de seus maiores representantes, porém ainda é pouco entendido. Para Marivaldo Pereira dos Santos, vendedor da papelaria Bom Pastor, em Juazeiro, “clássicas” são as músicas instrumentais e as evangélicas. “Eu tenho, para mim, que os corais das igrejas, o gospel , as bandas das escolas, as filarmônicas e os chorinhos são os verdadeiros “clássicos”, conjetura o comerciante, de chofre. Parece que o inconsciente coletivo, até aqui, revela-se de tal maneira imperativo, regendo uma turba de declarações. Todavia, de acordo com os especialistas, que também não chegam a um consenso, o “clássico” vai além dessas definições.

Para o professor de piano, Josué de Belisário, estudos sobre o assunto deixam transparecer, pelo menos, três definições para o termo “música erudita”, ou “música clássica”. Acerca da primeira delas, segundo ele presente em muitos dicionários, Belisário explica: “Esta define e restringe a música erudita como sendo música ”séria", em contraponto à música popular, esta vista como sendo música folclórica, música ligeira, sem grandes demandas em sua composição”. Tal definição, talvez, não seja a mais justa a se fazer, isto se considerarmos que um gênero musical, para ser sério, não precisa, necessariamente, ser ou assemelhar-se à música “erudita”.

Considerada como contrária à música popular e como “digna de respeito”, a música clássica apresenta como características de sua segunda definição tanto a clareza e o equilíbrio, quanto a objetividade na sua estrutura formal. “Embora se diga que ela possui a capacidade de eliminar qualquer expressão ou manifestação de subjetividade, emoção exagerada ou a falta de limites de uma determinada linguagem musical, o espectador dela procura, geralmente, emoção, fruição estética e surpresa, ou algum estímulo intelectual, reflexivo e filosófico, na linha de muitos compositores contemporâneos, o que acaba sendo um tanto que contraditório”, complementa o professor.

Perguntada se há uma espécie de segregação quanto aos gêneros musicais, a estudante de psicologia, Leilane Paixão, conclui: “Música popular é algo que é comum a todas as camadas de uma sociedade. Digamos que este segmento consegue ser acessível a todos, em igual frequência. Música erudita me passa a impressão de ser algo mais culto e não tão acessível e presente às camadas ditas “populares”, mas a uma classe mais burguesa, sabe.. mais intelectualizada e com uma maior aquisição financeira. Não conheço e jamais ouvi falar em algum projeto que incentivasse o estudo, a pesquisa e a prática da música clássica nas duas cidades. O que se percebe são eventos esporádicos, geralmente motivados por alguma comemoração maior ou alguma festividade tradicional. É quando se consegue enxergar uma ou duas bandas filarmônicas tocando nas ruas. Isto está mais do que claro, a gente não vê mesmo esse tipo de produção”.

Quando já íamos nos despedir e agradecer pela entrevista, Leilane levanta a voz e diz: “Ah, olha, vocês sabem como eu entrei em contato com esse estilo musical? Não? Pois vejam... primeiro que, quando era criança, costumava assistir àqueles desenhos da Disney... Mickey e Pato Donald, por exemplo. Não sei se já repararam, mas muitos episódios tinham como trilha sonora a música clássica. Recentemente assisti ao filme ”O Segredo de Beethoven" e me apaixonei pela história dele. Ele era praticamente surdo, e a música saía de dentro dele, sabe... super fascinante! Ele disse que só aprendeu a se escutar, quando perdeu a audição, e fez composições maravilhosas assim, mesmo surdo. Ele era esplêndido, fez músicas que tocam a alma. Gosto de coisas profundas assim...e a relação com os desenhos animados que citei, está justamente no fato de que eles passavam várias músicas de Beethoven”.

Ainda no âmbito de tal questionamento, a pedagoga Joana Moraes, que diz comprar e ouvir discos eruditos com freqüência, como os de Mozart e os das Sinfonias de J. Paiva Neto, é ainda mais enfática. “Música e cultura popular são derivados da cultura da massa, do povo. Já a música e cultura erudita são derivadas de algum movimento intelectual”, diz, sem titubear. Joana, nesse instante, ainda interage ironicamente com nossa equipe de reportagem, dizendo: “Olha, eu conheço alguns projetos executados em escolas de ensino público. Vocês nunca ouviram falar? Os alunos ouvem música clássica enquanto brincam. Acreditem! Mas isso é em São Paulo, e foi presenciado quando estive por lá”. O que as duas tem em comum entre si e com a maioria das pessoas entrevistadas, é justamente a idéia de que há, sim, uma diferente agregação de valor e, digamos, de respeito por parte dos dois modelos.

Esse tipo de música é mais facilmente entendida no ambiente acadêmico e exige, tanto de seus mestres quanto de seus aprendizes, um conhecimento satisfatório das partituras e de todos os seus meandros. “Alguns musicólogos adoram dizer que o termo "clássico" deva ser destinado somente à música erudita produzida no período que se estende de 1750 a 1809, a chamada “Era Clássica da Música”, corrobora Josué de Belisário. Para Rodrigo D’Lucca, professor de música, não há palavras para descrever a música clássica. “Ela é profunda, através dela você acalma o espírito e transcende tudo. Porém, infelizmente, o que vemos é um certo descaso perante esse gênero tão rico e bonito”, declara ele.

“Os meios de comunicação costumam dar espaço ao que dá lucro, ao que a massa gosta. É dado pouco espaço para a música erudita porque poucos conhecem a sua importância e seu berço”, retruca Joana, que entrou para esse universo através dos livros biográficos dos grandes nomes da música erudita do seu avô. Joana defende que o contato com esse tão rareado gênero faz-se pertinente na finalidade de elevar o conceito de mundo do ser humano em geral. “As pessoas preferem escutar "Rebelde", "Calypso" e "Psirico". Nada contra, sabe... mas é que,digamos, a música de boa qualidade tem sido de certa forma escanteada, perdida e deixada de lado. Também pelo fato de ser algo de alto custo, sabe... assistir a um concerto deve ser caríssimo!”, fala, entre risos e olhares irônicos, Leilane. “Tiro pelos shows de MPB... é claro que no nosso país a música popular, como o pagode, o samba, o arrocha, entre tantos outros, vai prevalecer, sabe... porque não é algo caro e dispendioso, e rende pra quem promove, entende? É claro que isso não impede a mídia de divulgar com mais eficiência a música erudita. Mas, eu pergunto, divulgar pra que público?... O problema é esse...”, finaliza.

De acorco com D’Lucca, tanto a cidade baiana quanto a pernambucana têm um grande potencial para esse tipo de música. “Os jovens principalmente, têm interesse, o problema é que eles não conhecem”, diz. Ele acredita que as rádios locais não apoiam a divulgação da boa música. “O bom gosto pela música vem de família, a educação musical tem de começar desde a barriga, quando a criança ainda é bebê... e as rádios só tocam besteirol, músicas sem qualidade. Aí ninguém vai mesmo gostar de música clássica”, argumenta.

Embora não pareça, o público jovem aprecia a música clássica na região. Rodrigo informa que comanda 520 alunos, e que todos passaram a gostar desse tipo de música quando conheceram e quiseram aprender a tocar instrumentos clássicos. José de Arimatéia Jr, funcionário da loja “Mundo do Som”, diz que os instrumentos utilizados para a execução de músicas “eruditas” como o violino, o violoncelo, o baixolão, instrumentos de sopro, a clarinete, o trompete, o baixo e o sax, são muito vendidos entre a clientela mais jovem. “A região tem alguns centros de ensino de música clássica como, por exemplo, a Academia Livre de Música, que funciona na rua Antônio Pedro, o grupo Nego D’Água no Kidé e o Villa-lobos. E tem também a professora Bebela que ensina piano. Mas ainda é pouco, muito pouco, quase imperceptível diante da grandeza dessas duas cidades!”, exclama o professor.

“Eu não acho que todo mundo seja obrigado a gostar de música clássica. Estamos falando de cultura, não é mesmo? Então, essa dita "importância" torna-se algo bastante relativo. Mas, falando sob o meu ponto de vista e de minha experiência, eu penso que é essencial que se produza “música de verdade”, boa para os nossos ouvidos já tão maculados por “lixos”, vocifera Leilane, que diz conhecer pessoas que tocam e convivem no universo desse estilo musical. Lilian acredita que as pessoas têm de ter conhecimento das manifestações de arte, tanto as locais quanto as globais, que são produzidas ao longo do tempo. Para ela é necessário saber que este tipo de música nasceu em um contexto que teve influências das idéias de um tempo e das pessoas de uma época. “É uma forma de conhecer melhor o passado e, ao mesmo tempo, acompanhar a mudança ocorrida dentro de um complexo social... nisso acrescentando gêneros menos difundidos e, também, os mais apreciados”, exemplifica.

“Com a vinda da Família Real para o Brasil, tivemos um bom incentivo às práticas musicais e José Maurício Garcia logrou destaque como o primeiro importante compositor brasileiro. Mas mesmo com todo esse avanço, ainda no século 19, discutir música erudita brasileira era motivo de piada. Aí veio Villa-Lobos pra nacionalizar a música no Brasil, introduzindo-a e consolidando-a”, pronuncia Belisário. O certo é que mesmo hoje, em pleno século 21, Juazeiro e Petrolina ainda são cidades que não perceberam o devido valor da música clássica ou erudita ou de concerto, muito talvez por causa de suas histórias ou de suas situações político-econômicas. Fato não muito esdrúxulo para uma população que não aprendeu a render aplausos e reverências nem aos seus conterrâneos e artistas locais, tampouco ao seu Samba de Véio, aos seus rabequeiros, aos seus maracatus, aos seus gênios anônimos. Então, fica a pergunta: o que esperar daqueles que cultuam o “refinamento”, hoje vistos como Quixotes lutando contra moinhos de vento?

Reportagem escrita em 2008, com parceria de Ecliz Rodrigues e Álvaro Luiz.

terça-feira, 12 de junho de 2012

"Vereda" desaparece com a seca em Canarana


 Por Germano Xavier

Quem vê a foto acima, datada do ano de 2009, não imagina como se encontra hoje a Vereda Romão Gramacho, ou simplesmente "Vereda" - como é mais conhecida pelos canaranenses. Esta importante fonte de vida e de desenvolvimento da região sucumbe a cada temporada de estiagem e fica como nas fotos abaixo, tiradas numa recente viagem que fiz àquelas plagas. Leito seco, mato e um cenário de muita tristeza, é só o que restou.