terça-feira, 26 de julho de 2011

Tópicos para uma aula de sociologia


Por Germano Xavier

* O Estado é a alma, somente ela poderá divisar sobre o futuro.
* No seio da sociedade será construída uma enorme torre de argila. Chamar-se-á Torre do Comum Amor;
* Com base no cooperativismo, criaremos o Centro Integrado de Combate ao Individualismo Improdutivo e suas Derivações (CICIID);
* Todos, no instante do nascimento, receberão uma cota básica de amigos;
* A prática da amizade jamais será interrompida;
* Da mesma forma que nos relacionamos com as outras pessoas, iremos interagir afetuosamente com tudo o que simples for, o sem ostentações;
* O simples será profanado, dado a todos e sem restrições;

P.S. A escolha pela argila é proposital.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Úrin e o segredo de Vó Lia


Por Germano Xavier


“Os gnomos nem saíram ao dia, bichinhos esquisitos!”, pensava Vó Lia em voz alta.
Era outono.

Estes pequenos espíritos de matéria parecem gostar de surpresas, pois é de supetão que sempre surgem. Quando estão felizes, deixam as plantas mais verdes, o sol mais amarelo, os frutos mais maduros, a terra mais fértil. Quando estão chateados com alguma coisa, zangam-se e fazem maldades.

Vó Lia era quem conversava muito com eles, a qualquer hora que quisesse ou quando não estava atarefada com as coisas de dentro de casa. Eu nunca os tinha visto, mas ouvindo sempre as histórias que minha avó contava sobre eles, parecia que moravam nos fundos do velho casarão e que éramos, mesmo distantes, confidentes convivas, o que, óbvio, não passava de uma inverdade. Estes anões, doutores da natureza, liderados pelo rei Ghob, apenas povoavam a minha imaginação de moleque.

E foi assim durante toda a minha infância. A imagem mais comum era a da minha avó Lia sentada na cadeira de balanço a tricotar o tempo, amiúde, e eu, seu netinho querido, jogando com as horas os mais edificantes desperdícios que o instante me emprestava, ali, ajoelhado a brincar nas proximidades do olhar da velha.

A cadeira ainda está lá, depois de todos esses anos, assim como as paredes conservam as tonalidades de outrora, como o ar do interior dos cômodos mantém o fresco aroma da mata nas laterais da casa, onde corríamos até o riacho aos tropeções, eu e minha irmã mais nova a desbravar as trilhas.

Minha irmã nem era nascida quando escutei pela primeira vez Vó Lia falar dos gnomos que habitavam os arredores do casarão. Eu sabia que ela gostava muito de ler e, por isso, pensava sempre que era apenas coisa da cabeça dela, que tudo era fantasia. Tio Mário sempre dizia que quem lia muito ficava lelé-da-cuca mais ligeiro. Pensava, eu disse, até o dia em que fui tocado por um.

Eu devia ter meus seis ou sete anos e naquele exato momento do dia Vó Lia quarava as roupas no quintal. Ele me tocou duas vezes, mas imaginando ser o raspão de minha pele em algum objeto, não fiz o necessário volteio da olhadela. Achando-se sem resposta, ele me deu um beliscão na perna esquerda. Eu, em contrapartida, um sobressalto danado de doido, um pulo para trás, desengonçado, meio-medo-meio-espanto. Foi quando me dei conta de que tudo que ouvira de minha avó era verdade, e uma verdade esverdeada com alguns centímetros de altura.

Logo veio em minha direção, e aproveitando que eu me encontrava caído e com as pernas a dar nó, aproximou-se do meu rosto.

— Olá, garoto! – disse, aparentemente confuso.

— Oi! – respondi, perplexo.

— Você tem nome? – continuou.

— Tenho. Me chamo Pedro. E você?

— Pode me chamar de Úrin.

— De onde você vem?

— Eu venho de dentro do jardim. Moro embaixo daquela baraúna, vê?

— Aquela enorme? Sim, eu vejo. Mas...

A princípio, fiquei com medo do homenzinho verde de barrete vermelho, que esbanjava sabedoria. A voz dele era rouca e não tinha sotaque estranho. Parecia aflito, pois mexia os bracinhos num molejo ávido.

— É a primeira vez que vejo um gnomo. Por que está aqui, Úrin? – perguntei, desconfiado de sua reação.

— Eu preciso te mostrar uma coisa. Preciso que venha comigo.

— Mas... como assim? Ir para onde? Agora?

— Sim. Venha. Basta que siga minhas pegadas.

— Mas eu tenho medo!

— Venha, eu te ajudo.

E quando dei por mim, lá estava eu, até então o único neto que Vó Lia tinha, enveredando pelo jardim repleto de plantas a me arriscar por inteiro, guiado por um gnomo e na direção do desconhecido.

Por inúmeras vezes, pensei ter perdido Úrin de vista. Um frio curto me invadia os braços, mas ele sempre aparecia quando eu empacava no meio do nada, perguntando-me sobre o que andava eu a fazer e por que tanta demora. E me puxava novamente para o interior do verde vegetal.

Diante da imensa baraúna centenária, ele apontou a mão para uma pequena abertura na base do tronco da grande árvore. Era uma pequena porta, e por ela entramos. Descemos por um longo corredor, cujo teto era formado por um emaranhado de raízes, de grossas espessuras. O ar era úmido e havia um forte cheiro de terra molhada. E também minhocas, muitas minhocas.

No fim do longo túnel de terra, uma outra portícula, onde dois gnomos pareciam fazer guarda. O ambiente era festivo, com gnomos dançando e bebendo, outros tocando pequenos berrantes feitos de caules ocos. Quase todos barbudos, vestindo roupas coloridas e capas grossas de couro.

— Venha, Pedro, por aqui! – disse-me Úrin, apressado.

Eu o segui, sem titubear.

Úrin pediu que eu me sentasse sobre um pequeno tronco cortado. Tirou de um baú um embrulho com cuidado extremo e o colocou ao centro, sobre a terra avermelhada. Depois, com gestos, incentivou-me a desembrulhá-lo. E, com cautela, fiz o que me pedia ao passo que foi me dizendo...

— Sua avó, em nossa última visita coletiva ao casarão, rogou-nos guardar um segredo, Pedro. Um segredo que só ela sabia. Sua avó está morrendo, e com ela todo o jardim morrerá também. Somos todos filhos de sua avó e a ela devemos nossas vidas. Você chegou à maturidade e precisa tomar uma decisão.

— Mas isto é um barrete vermelho e uma vestimenta de gnomo, Úrin! – gritei, esbaforido.

— Sim, Pedro, e cerzidos por tua avó!

Leitura, letramento


Por Germano Xavier

“Um país se faz com homens e livros”, desse modo escreveu Monteiro Lobato, autor da saga do “Sítio do Pica-Pau Amarelo” e tantos outros clássicos da literatura tupiniquim, já relatando a importância e o papel social-transformador do simples ato de debruçar os olhos sobre as páginas de um livro. O ato de ler é essencial à vida e a qualquer área do conhecimento. Ou, pelo menos, assim deveria ser.

O Brasil, assim como a maioria dos países em desenvolvimento, possui uma tradição de leitura fundamentalmente elitista e, em se tratando de nordeste, as consequências negativas provenientes de tal costume são ainda mais comprometedoras.

Enquanto o governo insiste em exaltar números fantásticos concernentes à redução da taxa de analfabetismo em território nacional, estima-se que 60% da população brasileira é composta por analfabetos funcionais, o que quer dizer que aproximadamente 115 milhões de pessoas não desenvolveram a capacidade de compreender o que lêem. Com isso, multiplicam-se as críticas à metodologia usada pelos educadores e instituições de ensino na formação do aluno-leitor.

É preciso encaminhar o aluno para além da decodificação dos códigos lingüísticos, como também aumentar a sua experiência de leitura, fazendo com que ele possa decifrar o que está subentendido no texto e, principalmente, fazer com que o aluno desenvolva a consciência do papel social desse ato, pois ler é transformar, revolucionar.

Para que esta mudança de postura seja devidamente efetivada, os educadores devem procurar novos métodos para incentivar a leitura, tanto em sala de aula quanto no ambiente extra-escolar. O objetivo atual do professor das séries iniciais não é o de alfabetizar apenas, mas também o de encaminhar cada criança ao letramento. Em termos mais específicos, trabalhar a partir da linha de pensamento da psicogênese da língua escrita, onde é considerado que cada aluno já traz consigo, ao chegar à escola, algum saber sobre a construção da escrita, ato conseqüente ao ato de ler. Tudo no intuito de entender o contexto em que cada estudante está inserido, sempre percebendo a heterogeneidade das salas de aula, para dizer a eles que os atos de ler e escrever possuem uma finalidade em si, ou seja, uma espécie de recompensa.

Ainda nesta linha de conhecimento, os professores se fazem perceber da importância de se trabalhar com a maior variedade de tipos textuais possíveis, assim como elevar o tempo destinado à leitura, fazendo com que se desenvolvam comportamentos leitores e escritores no corpo discente das instituições particulares e públicas do país.

É claro que a responsabilidade maior fica a cargo do professorado, porém é fundamental admitir que o auxílio dos pais deva ser incondicional no desempenhar do papel de incentivadores. É urgente tornar o hábito da leitura mais presente e prazeroso, principalmente entre os jovens.

Além do modo de ensino retrógrado usado pelas escolas, a reduzida influência familiar, a dificuldade no acesso a livros, revistas e jornais, outro fator tem contribuído, e de maneira avassaladora, para o desprezo frente ao hábito saudável da leitura: o ciberespaço.

Com a internet funcionando a pleno vapor, a palavra perdeu um pouco de sua magia. A tríade imagem, som e movimento suplantou o deleite que tínhamos ao folhear as páginas de um bom e velho livro. Estamos atravessando a fase da “escola do espetáculo”, onde a palavra vem sendo substituída por esses elementos de fascínio como instrumentos de mediação comunicacional. Uma sociedade de espectadores viciados, hedonistas e consumistas está sendo gerada numa velocidade inimaginável.

Por conseguinte, o tempo para o prazer está cada vez mais reduzido. Não tenho dúvidas que é esta “sociedade fast-food” a causa maior da redução do número de leitores no mundo. Fato muito, mas muito difícil de ser revertido.


Este texto nasceu de uma reportagem que fiz no início de 2007. Fiz uma reconstrução, para que ela se adequasse à proposta de um projeto de pesquisa que também executei naquele mesmo ano. Agradecimentos a Edeil Reis, Pedagogo e colega de Letras, pelas sempre sábias palavras.

domingo, 24 de julho de 2011

Como nos haikais de Dickinson


Por Germano Xavier

capa
d'ócio
maneira íngreme do seu orfanato
a menina destampou a panela
e disse palavra
- só nasci depois que fui -
pelas quintas de chá

velacesa
lâmpada macilenta
dava saltos cada vez senhores

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Nossos sádicos quase-amores

Por Germano Xavier

(ou apenas um cântico de alerta às humanidades de Iraquara)


Quem a mim autoriza dizer que tenho amor? Quem assim sabe de mim a ponto de me projetar tais excedentes qualidades ou intempéries? Se sou realmente bonito ou forte? Se pareço estar mais triste neste mês? Se não mereço a janta pobre que sobrevive em meu prato? São apenas perguntas, meu gentil amigo? Ou serão tão-somente as pérolas que nascem nas ostras do outro território, quase sempre o do inimigo, e que invadem as águas de lastro dos nossos navios de viver, e que não nos protegem das nossas tempestades nem nunca de nossos dissabores? Pois que pensei na tarde de hoje sobre o nosso sadismo diário, sobre nossas espécies de inveja, sobre nossas vesânicas afetações amorosas, que nos assassinam lentamente como em nossas fraquezas diárias. Estes sentimentos que se utilizam, em grande parte das vezes, de questionários para se manifestarem, nos causando sustos, surpresas, dores, nódoas na carne e no espírito.

Eu, você, o primo da Neuma que morreu ano passado, a irmã da lavadeira, o sobrinho do prefeito, todos nós, nascidos em Iraquara, somos feitos daquilo que atualmente a ciência tem como o seu maior tesouro: a certeza de que tudo é incerto ou pode vir a ser. Tudo, meu tão gentil amigo, absolutamente tudo que nesta Iraquara chapadense possa existir é porque é incerto. E não é necessário demonstração nenhuma de vida, mas apenas existir. O início do desfecho para este raciocínio que persiste no erro eu simplesmente deixo para você. Sim, quero que você conclua o pensamento. Primeiro porque fui eu que resolvi escrever tais faculdades e, segundo, porque pela lógica o leitor aqui é você. Eu não tenho a intenção de concluir nada. Você, caso queira, pode realizar o que falta. Mas não faça se isso soar para você como uma obrigação, por favor.

Acordei cedo hoje e até agora não tive um instante de certeza em mim. São tantas coisas que precisamos fazer, ser, ter, usar, manipular, tocar, sonhar, que facilmente apresento-me de mente trancada, pesado, pesadamente, o dia inteiro. É tudo tanto, que sempre perco a noção minha do antes e do depois. Às vezes, penso que toda a culpa pela minha própria desgraça é oriunda de mim mesmo, que não tenho ou ainda não encontrei o norte das coisas. Penso que sou mais um daqueles abomináveis seres tão fantasticamente obcecados pelo amor e todas as suas caras e taras, posto que me basta um leve assombro para que eu passe a desejar desfrutar de toda a complexidade ideológica de um cavaleiro antigo ou de um qualquer rude xerife de uma qualquer historieta western, passando por vampiros, sedutores, caixeiros-viajantes, cowboys e terminando por ir aos principados. E depois de todo o terremoto, penso e concluo - agora, sim - que somos incertos, tanto eu quanto você, feitos prioritariamente de incertezas e que nem por isso temos bons e estimados valores.

Atenção, povo de Iraquara, estamos precisando amar mais!

Estando muito aquém de tudo ou muito além de nada, é sem dúvida o amor que funda toda essas minhas mitologias heróicas e olimpianas - e não seriam nossas? -, surgindo em todas as esferas de nossas já por demais iniciadas vidas. Somos tão incertos que preferimos afirmar que temos amores, assim mesmo no plural. E não nos afeta a dor de uma mentira mal colocada quando profanamos aos quatro cantos do mundo que podemos ser medievais, modernos, bizantinos, trovadorescos, sádicos, humanistas e maquiavélicos ao mesmo tempo, porque nunca fomos de pensar que o amor pudesse marcar a superação dos conflitos sociais, familiares, entre homens e mulheres, apesar das religiões e das fés inventadas e já quase inumeráveis insistirem em tais possibilidades. E tudo isso advogo pela causa de todos os iraquarenses, porque estou mais para aquele sujeito que não pretende gastar sua idade idosa numa praça, jogando damas com tampinhas de refrigerante ao lado de velhos tão mais velhos que eu, e que mais pensa o amor sobre tudo e sobre todos não como uma fatalidade ou uma patologia, sempre desintegrado, espiritual, condenado à maldição pecadora quando do seu lado sexual, sempre imaginário e anuclear, mas como um suor fugido, que escapa porque é simplesmente liberto de quaisquer amarras.

Sou um sujeito normal que acordou cedo hoje, apenas. Um cidadão jovem que não acredita no amor polarizado e universalizado de que mostram os jornais e a televisão. Um homem que pensa que ainda não possuímos a capacidade de decantar o amor, de fotografá-lo, filmá-lo, entrevistá-lo, falsificá-lo, desvendá-lo, saciá-lo... porque penso que o amor está além de ser uma construção livre e que objetiva uma realização pessoal. A liberdade no amor está em sua congênita contumácia. Por isso não podemos materializá-lo, jamais. O amor é necessário à vida coletiva, a uma comunidade, e sobrevivendo numa esfera individualista perde seu caráter doentio, de delírio e de escapismo, porque se apequena e não mais consegue transgredir, violar, não fere e deixa de matar. O amor é um ser imenso e, portanto, assim deve se sentir, como um dominador e não um dominado. Penso tudo isso porque ainda sou daqueles seres que não conferem prioridade ao amor sintético, produzido sem o ingrediente do amor louco. A significação que dou a um beijo é toda uma imprensa sentimental e incerta, dentro de uma normalidade fundada em raiva e ódio. Nosso atestado de loucura.

A fantástica morte do "amor sintético”- justamente o que não quero para nós, povo iraquarense - é um retorno ao amar loucamente. O "amor de aventura", que se comunica com o outro, que reconhece e é reconhecido, que se perde e se afirma perante um alter-ego que conjuga o Eros e a Psyché num movimento de profundo individualismo talvez fosse o atalho para o amor-comum, o amor-de-todos, o amor-que-abarca.

Iraquarenses de ontem e de hoje, amai-vos uns aos outros! Porque quiçá a mais bela sugestão de resposta a perguntas sobre as incontáveis incertezas nossas, sobre navios à deriva, sobre naufrágios misteriosos e mares revoltos, sobre como seguir e aguentar toda esta rotineira catástrofe sem sentir tanta dor, sem medir tanta morte pelo caminho, sem enxergar tanto inferno no apenas acinzentado azul, está simplesmente no sol que nasce e morre, ininterruptamente, como a mim, como a nós...

Como deuses


Por Germano Xavier

Prefiro inviabilizar o meu nome.
Ainda mais o meu, um faz-lembrar da Alemanha.
Melhor seria se não tivéssemos ou,
em outro caso, se possuíssemos um para cada dia da semana.

Caso mulher fosse...
Na segunda, Raimunda.
Na terça, Teresa.
Na quarta, Marta.
Na quinta, Rita.
Na sexta, Andressa.

Já nos sábados e domingos, e também nos feriados,
bom mesmo seria não termos nome, não ter
como ser chamado
e incomodado nos raros momentos
de que dispomos
para sair por aí, nomeando as coisas deste mundo,
como se fôssemos deuses.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Retratos


escrito por Delias

há um não-lugar para todas essas coisas
meu mar em fúria, seu chão em sépia
retratos de uma solidão a céu aberto

mas disse-me assim:
prefiro você entre as orquídeas

domingo, 10 de julho de 2011

Gramática e gramáticas


Por Germano Xavier

O uso da gramática no ensino da Língua Portuguesa nas escolas, geralmente, vem fomentando inúmeras polêmicas ao longo dos anos. À luz da razão, almejamos, desse modo, mostrar as incoerências e divergências gramaticais concernentes ao método de ensino posto em prática em escolas de nossa região, particulares ou públicas.

Partindo de tais pressupostos e já realizando uma análise dessas incoerências, partimos de como Bechara conceitua período: “chama-se período o conjunto oracional cuja enunciação termina por silêncio ou pausa mais apreciável, indicada normalmente na escrita por ponto”. (BECHARA, 1982: 199)

Notando a obscuridade da conceituação, Bechara simplifica-se no parágrafo posterior, dizendo ser período simples o constituído por uma só oração. O que se entende por conjunto oracional? É a reunião das partes que constituem um todo.

Se fossemos confrontar a idéia de Bechara com a de outro autor ou estudioso da língua portuguesa, veríamos uma variação considerável na maneira de se pronunciar sobre um mesmo caso, o que abre espaço para constantes debates e discussões acerca do problema gramatical.

Como o aluno pode absorver esses conceitos “eloqüentes” e/ou “retóricos” e que procedimentos ele utilizará para o enfrentamento de concursos públicos e vestibulares? É por isso que se a classe docente não fizer uma antecipada avaliação do livro didático que possivelmente será adotado estar-se-á acomodando funcionalmente e permitindo ao aluno crer em tudo quanto o livro contiver, sem revelar a ele a real face dos acontecimentos.

Toda essa conjuntura errática não cessa por aqui. Percebendo essa miscelânea, o estudante volta-se para a criticidade, inquirindo o professor na explicação desses absurdos. Por vezes, o professor, radical como o gramático, escanteia a participação do discente, pois não dominando a Gramática Normativa, termina por classificá-lo como perturbador e agente desordeiro. Tal postura do aluno atinge diretamente o rendimento da aprendizagem, muitas vezes deixando seqüelas a ponto de incompatibilizá-lo com a matéria e, também, com o professor. Desse modo, transmite-se uma visão distorcida sobre o ensino da língua - o “decoreba” de uma infinidade de regras e de exceções -, o que complica a vida do aluno, mormente daquele advindo de camada social menos privilegiada.

Hoje há uma tentativa de se anular as diversidades lingüísticas referentes a diferenças e conflitos existentes entre grupos etários e étnicos e, sobremaneira, entre classes sociais. Podemos prescrever que a gramática tem se comportado como o objeto do ensino de português no Brasil e não a língua. Conseqüentemente, estão sendo difundidos aos alunos de todas as faixas etárias, em principal aos do Ensino médio, conceitos lingüísticos falhos. Sobre esse ensino, praticado pelas escolas públicas e particulares, verifica-se uma incompreensível prática que é a de encher a cabeça do estudante elementos inúteis e confusos.

Considerando a diminuta representatividade desse conhecimento, imposto ao aluno como verdadeiro crime, Geraldi afirma que “O ensino da língua foi desviado para o ensino da teoria gramatical”. (GERALDI, 1987: 21)

Ora, se a função da escola é o ensino da língua padrão, não é com teoria gramatical que ela concretizará seu objetivo. Tais contrastes na forma de se encontrar com esses temas desestimulam o estudo da língua, pois quando o estudante pensa haver entendido os conteúdos trabalhados em sala de aula, ilude-se ao se deparar com determinadas construções, pois não consegue chegar ao entendimento do enunciado, resultando em frustrações, reprovações e recriminações que começam no seio da própria escola e o velho preconceito de que não sabe português.

Todos esses aparatos gramaticais tradicionais são frutos de uma preocupação da escola em mostrar ao estudante a língua considerada padrão pela elite cultural, que insiste em se modelar através e a partir dos clássicos e dos grandes nomes.

A gramática, que em grego significa “a arte de escrever”, nasce na Grécia. Observando essa particularidade, as regras gramaticais foram geradas e logo voltadas para o uso literário dos renomados escritores do passado, recebendo o título de gramática Tradicional.

Com base na análise desses fenômenos, ressaltamos dois equívocos cruciais: o primeiro, consiste na rígida separação da língua escrita da falada; o segundo no modo de se encarar a mudança e mutabilidade das línguas, fatalidade concebida por muita gente até hoje. Por conseguinte, enquanto não houver uma proposta pedagógica habilitada a eliminar esses equívocos existentes no ensino da língua e uma mudança substancial das motivações ideológicas que sustentam esse ensino mutilador e segregador, a gramática Tradicional permanecerá como alvo crítico dileto, embora reconhecendo ser ela a fatorial referência para o ensino Fundamental e o Médio.

O resultado disso é a submissão da língua à gramática. Mas, como?Por que meios? Com os séculos sendo atravessados a todo vapor, a Gramática Tradicional mudou de roupagem, preservando-se o seu conteúdo. Isto é, passou-se a denominar-se de Gramática Normativa. Assim, a Gramática Tradicional tornou-se uma ferramenta ideológica e as gramáticas escritas para descrever e concretizar como leis e padrões as manifestações lingüísticas usadas pelos escritores considerados dignos de admiração em qualquer tempo e espaço, modelos a serem imitados.

Segundo Bagno:

Com a instrumentalização da Gramática Normativa em mecanismo ideológico de poder e de controle de uma camada social sobre as demais, formou-se essa “falsa consciência” coletiva de que os usuários de uma língua necessitam da Gramática Normativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística da qual emana a língua “pura”.Foi assim que a língua subordinou-se à gramática. (BAGNO, 2000: 87)

Por fim, permanece a questão, mais viva que nunca: devemos ou não utilizar a gramática no ensino da Língua Portuguesa? Indubitavelmente que sim, embora saibamos que ela em si não ensina ninguém a falar, contudo auxilia na medida em que consigamos separar o útil.

Bagno é de opinião que:

A gramática deve conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento lingüístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina gramatical normativa. (BAGNO, 2000: 87)

Tendo em vista o conceito de Bagno, o professor de português deixaria o seu estágio de “sedentarismo intelectual”, passaria a ser dinâmico, deixando de ser apenas um aparelho repetidor da doutrina gramatical normativista, que ele mesmo não domina de modo integral.

À vista das considerações aqui pronunciadas, conclui-se que a gramática não consegue ser única fonte para o ensino da língua nas entidades escolares, bem como a ser intitulada como o conjunto normativo da linguagem, num âmbito generalizante. Assim posto, no comenos em que o aluno entender que as regras da norma culta são passíveis de variações é que o uso de uma forma pode vir a ser tida como normal numa modalidade lingüística.

Também se faz de extrema urgência que gramáticos e demais estudiosos da língua formem uma simbiose e não uma relação parasitária, para que haja cada vez mais espaço dentro de sala de aula para o ensino de “gramáticas” e que a elite cultural caia na racionalidade e na admissão intelectual de que houve mudanças abissais na língua padrão fomentado pela Gramática Tradicional e que no Brasil fala-se um português brasileiro, discrepante do português de Portugal. Agindo assim, tendemos a extinguir as discriminações rígidas que a escola insiste em pôr em prática.

Se Deus quiser


Por Germano Xavier

XIII

Mulher, e isto é hora de ir trabalhar?! Foi o meu filho, aquele que gosta de escrever. Ele está muito doente. Já o levei a vários médicos, mas nenhum soube diagnosticar o seu mal. Uns dizem que ele está sofrendo um princípio de depressão, outros já apontam para uma síndrome passageira que tem como maiores consequências a insônia e o mau-humor. Que pena! Justo nesta época, tão bonita. Acho que é justamente por isso que ele ficou assim. Ele odeia estas luzes, estes enfeites, estes presentes, estas festinhas de comemorações infundadas e ridículas. Ele não queria que eu o levasse aos médicos mas, depois de muita insistência, ele resolveu aceitar. Ele nem olhou para a face dos doutores. Estava triste. É, meu caro, estamos fadados à civilização, completamente predestinados ao abismo deste "mundo" pós-moderno. Eu preciso é de um anestésico, que turve a visão que tenho destas des-cadências humanas. Não dá mais para acreditar em todo esse jogo de espelhos, onde a ilusão é a única configuração visível, que nos toca. Quem somos diante deste torvelinho? O que há de se fazer? O quê? Doentes! Drogados! Medíocres! Impostores! Vocês não valem nada! Não passam de um bando de idiotas! A harmonia passou feito a saúde daquele rapaz. O ano novo que se aproxima é somente mais um ano de infelicidades e de perspectivas fracassadas. Eu preciso de um livro de poesia, "a Poesia é a insânia". A PO-E-SI-A É A IN-SÂ-NI-A!!! Só mesmo os princípios ativos da Poesia para me acalmar agora. É tudo tão monótono, tudo tão sem graça. Desgraça! Desgraça! Mil vezes DES-GRA-ÇA!!! Calma, eu não estou querendo provocar confusão com vocês. Eu não sou louco! Eu não sou louco! Eu sou apenas um sonhador que acredita em "Mundos", e que sabe de tudo que te fere. Eu sei! Eu sei! Podem acreditar! Vejam o Tempo, ele está passando, passando, feito a gente, que também não somos mais que meros passageiros nesta aventura da Vida. O que você anda fazendo? Regou a árvore hoje? O que mais tem feito? Molhas o chão que pisas, fazes valer a pena? É tempo de renovação, de olhar para o teto do seu quarto e fazer um novo planejamento, com ênfase no que é de ordem comum e não no individual. Caso nossas forças se ajuntem, poderemos fomentar uma enorme energia positiva que, certamente, será capaz de destruir todos os nossos medos e impossibilidades. Vamos! O que eu quero é apenas isso! Que vivam suas Vidas, que vivam! Nós não podemos parar em nenhum instante. Eu ficarei observando os seus passos. Sirvam-se de seus pseudoalimentos, mas não deixem de viver. E não se preocupem comigo. Eu sei que não posso fazer tudo, porém, sei que estou fazendo tudo o que posso para ajudar vocês. Não se esqueçam das cordas e das recompensas também... Feliz ano novo! Feliz ano novo para você também! Se Deus quiser! É, se Deus quiser...

Como aceitar minhas notícias


Por Germano Xavier

todos os orientes,
o além e minha juventude
que singra medonhos
mares e incertos,
estão como é costume,
em tardes preguiçosas de infância.

dói o silêncio do mar
em meus braços juvenis.
e o não ter de espetacular
o possível e raro da vida,
dói.
(meu vigor de homem, já feito?)

esperamos o que passa,
somente. passa quando o mar
da vida nos atenta
euforias e experiências.
e, assim, oportunizamos a gênese fugaz
das albas espumas.

sábado, 9 de julho de 2011

Goya (uma análise)


Por Germano Xavier

Breve histórico:

Acima está a tela nomeada de “Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808” e é de autoria do pintor espanhol Francisco de Goya, mais comumente conhecido por Goya. A obra data de 1814, é feita a óleo e mede 266x345cm em sua versão original. Atualmente, a pintura encontra-se no Museu do Prado, em Madri.

Goya nasceu no povoado de Fuendetodos, no ano de 1746, nas localidades de Saragoza, Espanha. Faleceu em 1828, na França, seu último reduto, abrigo de solidão e exílio voluntário, haja vista que era um profundo desgostoso dos modos de governar de D. Fernando VII, déspota assumido. Mesmo cego, Goya assumiu o papel de primaz pintor da corte de seu país.

A tela “Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808” é considerada a prima obra do artista espanhol.


Análise:

Partirei do princípio de que a pintura é imagem como qualquer outro tipo de registro imagético, como uma fotografia, um anúncio, um panfleto, entre tantos outros modelos. Por também fazer uso da linguagem não-verbal, a qual se caracteriza pelo desprezo diante da palavra propriamente dita, a tela “Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808”, classificada como pertencente ao período romântico, justo por estar inserida dentro desse contexto social e cultural que percorre boa extensão dos séculos XVIII e XIX, permite a conceituação e compreensão dos estratagemas básicos utilizados pelo artista no todo processual e construtivo de seu desejado discurso visual.

Imbricados, os elementos da tela de Goya possibilitam a fomentação de uma teia de enunciações que, por serem de amplidão infinita e agir como cadeia flutuante de significações, tanto produzem uma importância localizada em seu tempo como interferem em pontadas de historicidade no atual momento do mundo, aqui no justo desígnio de retratar com fidedignidade a relação passado-presente ao qual não podemos nos desvencilhar.

Outro fato que subsidiou a minha escolha foi o uso dessa pintura em outros tantos momentos da história da Espanha por inúmeros meios de comunicação de massa daquele país, a citar no conturbado período da Guerra Civil Espanhola, onde a tela era usada como instrumento de analogia ao passado também “sangrento” daquela nação e como uma ferramenta de memória. Fator este que elucida o poder de fixação no imaginário popular que uma obra desse quilate pode provocar, tendo em vista a relevante representatividade visual e sígnica.

O caráter etnográfico na obra de Goya é um traço grosso e recorrente, facilmente perceptível. A intenção de retratar o povo, a cultura de um dado grupo social, mesmo sendo apenas face de apenas um instante curto, está em todos os elementos do quadro, a começar pelo título, que nos leva ao encontro de um fato essencialmente histórico, com data e localização específica, e que funcionou como o elemento basal para que Goya conseguisse manifestar seu pensamento de maneira contrária aos desmandos de uma forma de governar dominadora, cruel e insana.

A narrativa aqui é ponto marco. Em toda a sua extensão, Goya foi capaz de transmitir um enredo, revelou os personagens, a figura do dominado e do dominador, a esfera temporal e a esfera espacial. O caráter psicológico está estampado nos semblantes dos homens retratados, assim como a complexidade dos mais variados sentimentos. As escolhas das cores e do plano de fundo não revelam menos também. Ao entrar em contato com a tela “Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808”, somos acometidos por sensações como o horror, a indiferença, a revolta, a piedade... A obra está escorada num ambiente antitético, de confronto, de dualidade, de choque. Os fatores que otimizam a mensagem e potencializam a expressividade são sempre os aspectos Vítima X Assassino, Escuro X Claro, Morte X Vida, o que acaba por tornar a contradição, dentro desse estudo, um termo de compreensão simples.

Aqui, todo o espetáculo é produzido a partir do elemento fragmentado, da parte para o todo, e não no sentido inverso. Cada traço é possuidor de uma vida própria, deambula sozinho. Como pode ser observado, os soldados franceses são uma massa sem rosto, anônima, desfacelada, sem individualidade, e apenas exercem seus deveres obrigatórios. As vítimas, por outro lado, despem-se das máscaras e escancaram suas individualidades, seus medos, suas diferentes reações, seus diferentes semblantes, mostram as suas súplicas e os seus desesperos. O breu de uma noite sem luz e sem lua dá à tela um caráter nebuloso e pesado, de destruição e morte. Já o “claro” está focalizado no homem de camisa branca, que não se encontra no centro do conflito, mas que carrega a significação do apaziguamento, do acordo, mas também da aflição e da rendição. A luz se esvai dele para os outros, a luz sai dele para os outros e não é incidente do lampião trazido pelos soldados, deixando o centro de atenção levemente deslocado para a esquerda.

Todo o conjunto é muito harmônico. Os conteúdos são bem equilibrados e da mesma forma distribuídos no local físico da pintura. Se aprofundarmos nossa perspectiva, tomaremos nota de que é o homem de camisa branca que constrói a noção de equilíbrio da tela, apesar de o lado direito possuir mais elementos e aparentar mais carregamento de significados. Considerar, na arte de Goya, o fato histórico, o jeito de sentir e a forma, é objetivar o aproximar com a personalidade do artista. E quando se conhece o contexto em que a peça está inserida é ainda mais facilitador para possíveis apreensões de ordem de pesquisa e conhecimento.

Uma outra curiosidade foi como Goya situou o nosso ver, o nosso enxergar e o nosso olhar para a tela. Vemos a tela em diagonal e muito próxima de nossa visão. Os homens são vistos de frente, enquanto vemos os soldados praticamente de costas, fator de horrorificação e destemor empregado no momento do fazer artístico.

O autor valoriza a expressão do rosto das personagens, trazendo à tona o mundo interior de cada um, o espanto que cada um carrega no dorso de suas almas. Até mesmo nos espaços “livres” do quadro há uma espécie de afetação, marca da mão desse artista.

Sendo assim, fica o registro de um mundo, nem tão distante assim, retratado pelo talento de um fotógrafo-pintor que, com o seu fazer operário quotidiano, gerou novas vozes através do silêncio gritante de uma linguagem não-verbal apetecida de formas e ligações estéticas. O caráter atemporal e universal de um registro como esse é prova de que a imagem é, sim, um elemento norteador de todo um sistema pessoal, coletivo, político, cultural e sistemático mundano, capaz de caracterizar, significar e resignificar um determinado acontecimento vivido por um determinado povo em um determinado instante do tempo.

Coletânea



Por Germano Xavier

aberto o vestíbulo da memória
saltam
de mim os tempos esticados.
porque a massa
da total pureza edificante
é fluída e pinga
como pinga um pingo d'água.

desde sexta-feira me sou ninguém ao espelho.

e a saudade de ser brinca,
veloz,
de regar o chão azulejante
das caídas eternidades.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Fotojornalista: mediador de mundos


Por Germano Xavier

Ele chega assim, como quem não quer nada, estica a objetiva, recolhe, regula o zoom, agacha, levanta, corre, esconde, aparece, esconde novamente, aparece de novo, busca um novo ângulo, um ângulo melhor, sempre, fica na pontinha dos pés ou por baixo das calças de uma outra pessoa e, quando você menos espera, escuta o barulhinho clássico de um "click". Lá está o registro do dia, do fato, do acontecimento, da celeuma, da bagunça, da briga, do evento, do homem, do mundo.

A fragmentação de uma dada realidade está nas lentes e no gatilho do profissional de fotojornalismo, assim como está nas mãos do repórter, do editor, entre tantas outras funções do meio comunicacional. O fotojornalista funciona como um canal de recebimento e transmissão de mensagens. Agente de construção de imagens e impressões, o fotojornalista é autor e responsável pela cadeia polissêmica que sua produção pode acarretar. Eis o perigo, mais um deles, do ofício-navalha que é o de comunicar.

Janela da percepção, porta da observação. O fotojornalista vê-se numa corda bamba entre a glória e a desgraça. Carrega no corpo a possibilidade do herói, do mártir, assim como do destruidor, do medíocre homem sem sentimentos, máquina. Muito romantizada nos atuais dias, a mitologia da profissão parece nublar a dura realidade que a cerca. Realidade-navalha, faca de dois gumes, sem dia nem hora para fazer sangrar ou estancar feridas.

Caminha ao lado deste trabalhador a angústia e a pressão por uma perspectiva ou por um panorama relevante, o sufoco pelo "ver total", pelo ampliar mundos. Se assim não o consegue, o dia é incerto e a cabeça ferve de fracasso temporário. É ele, mestre da fotografia, um dos incumbidos da dor, do sensacionalismo, do preconceito, da polêmica, do desagrado, da moral, do deboche, da loa. O intruso querido e o invasor detestado. Um mero mortal capaz de chocar um planeta inteiro através de um simples apertar maquínico e mecânico. O homem-criança que pula cerca, que vence muros, que brinca de esconde-esconde, que chora, que sorri, que transpira, que sobe em árvore e desce dela, que foge, que fura, que marca, nódoa na alma que se duplica, que cicatriza, que traumatiza. Ou o contrário.

A fotografia de imprensa deve ser encarada com um punhado de apreço e atenção. O cuidado com o seu manejo pode significar tanto uma catástrofe quanto a nascença de dias melhores. O que deve sempre existir, sem nada pedir ou temer, é a idéia de representação fidedigna do vetor analisado e, por conseguinte, fotografado, no justo desígnio de pôr a batata quente, isso no bom sentido, nos olhos e nas mãos do leitor, capacitando-o a fomentar um posicionamento próprio, sem desvios ou influências.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Caxixi agogô roncô, neguinho, vai


Por Germano Xavier

vai neguinho
desce o morro pra cidade santa
traz tua manta
escura e mancha o que for
incolor neguinho vai
ataca a classe e toma banho de mar
mar que é mais teu
mar que é mais teu
vem neguinho vai
de cima pra baixo sobe na vida
vem voar vai voar
teu céu
vem ser verso de Solano
vem imerso vem avesso vem excesso
vem sem essa de não ser
vem com essa de querer
vem neguinho vem
vem buscar o que é teu
chama a tua gente e faz da gente
espelho e sangue teu
chega de sofrer de beber a água amarga
chega de não ser neguinho chega
mais pra perto vem incerto vem
certo que você pode e vai também
vai neguinho vem


"Lincharam um homem/
entre os arranha-céus/
(li num jornal)/
procurei o crime do homem/
o crime não estava no homem/
estava na cor de sua epiderme..."
(Solano Trindade)

Unitários



"E você tem o mundo na parede do quarto. Tem os mares que formam oceanos e tem gente caminhando nas praias. Crianças fazendo piscinas na areia, mulher bonita encontrando a dor do sol, homem pescando nuvem e vendedores de picolé. Coqueiros balançando com o vento e ainda um menino com uma bóia ao redor do corpo. Aquelas bóias em formato de rosquinha de leite que a gente molha no café e derrete na boca e derrete a espuma do mar que molha o menino que tem a bóia colorida e perto dele tem mulher bonita e sol e homem pescando coqueiro e um sorriso de menina brincando com os pais na piscina feita na areia da praia que namora o oceano e forma o atlântico que encontra pacíficos índicos mares de todo o ar. Bem aqui. Na parede do seu quarto que é quadrado, mas, olhando ao redor, vejo que é mar também. E você mergulha no silêncio e encontra seu tempo e, entre a água e seus vazios, você é o sorriso de quem é feliz e a poesia das janelas. Eu conheço você. Conheço o mundo inteiro”.

Letícia Palmeira, dia 08/12/08.

Edutecnocupação


Por Germano Xavier

O mundo vivencia a era da informação, e essa informação chega de maneira tão rápida, instantânea, que devemos inclusive questionar sua qualidade, visto que a rapidez e sucessividade informativa ocasiona uma incapacidade humana de filtrar as parcelas significativas presentes num dado contexto informacional e criar um pensamento crítico diante das mesmas. Este quadro de interconectividade da sociedade mundial é possibilitado pelo surgimento e consolidação de tecnologias inovadoras, que desafiam a sociedade mundial como um todo, principalmente no âmbito da educação. Tal setor, portanto, é desafiado a acompanhar essas mudanças porque está para o mundo apontando inovações igualmente revolucionárias, de modo que permitam ao sujeito global tornar-se um indivíduo adaptado às mudanças rápidas pelas quais o mundo atravessa, além de apto a propor inovações técnicas, mercadológicas e sociais das quais necessita a sociedade mundial, da qual somos sujeitos históricos. A educação, hoje, não apenas mantém seus objetivos tradicionais de aprimorar o conhecimento e facilitar o convívio social, mas também incorpora novos desafios como permitir que o indivíduo realize tarefas cada dia mais complexas, tornando-o assim mais produtivo, diminuindo então a sua probabilidade de ficar desempregado. A relação entre formação, profissão e emprego está cada vez menos interligada. Hoje, diferentes formações podem levar as mesmas ocupações. Um mundo de trabalho se delineia e as novas competências impostas pelo mercado de trabalho são no nível da percepção da capacidade, da resolução de problemas e do relacionamento interpessoal. Entrementes, importante faz-se elaborar uma síntese acerca do tema “Inovação tecnológica X educação”, tratando de penetrar em seus significados e funções adquiridas ao longo dos anos. Os pesquisadores deixam claro que a participação e aferição de uma prática tecnológica inovadora dentro do aspecto da educação é algo muito interativo e que se presta ao modelamento da sociedade em geral. Para que haja uma efetiva aparelhagem tecnológica na esfera educativa, os gestores e alunos devem agir de maneira que compactuem com os mesmos ideais e, além disso, entender que sem esta união de valores e objetivos a educação não tende ao progresso. Decerto que, se não considerarmos o caráter agregador não linear, integrativo, capaz de unir diversos componentes sociais, complexos, nós não dominaremos os avanços produtivos dos quais estão intrinsicamente ligados todos os sujeitos e o fenômeno educativo. Portanto, há uma necessidade urgente de buscarmos sempre uma interação com o novo. Precisamos estudar cada vez mais e inserir em nossa vida uma aprendizagem contínua, pois o mundo está em constante mudança e as qualificações tradicionais tornam-se instrumentos por demais obsoletos.

domingo, 3 de julho de 2011

Ah, o meu querido pé de laranja lima


Por Germano Xavier

"Por que contam coisas às criancinhas?"
(José Mauro de Vasconcelos)


Eu sou o Zezé¹. Sou porque já fui. Precoce protagonista da minha própria vida. Sim, daquele grego protagonistés de ser, somente e só, o principal lutador, o principal figurante, o principal personagem de uma história ou estória. Não nasci em 1968, quando o livro do escritor carioca José Mauro de Vasconcelos veio à superfície da literatura nacional. Época interessante, não? Porém, também possuo uma data de nascer, como toda gente possui. No meu caso, foi em 1984, finzinho e início de um também momento transformador da história brasileira: a Ditadura Militar e o seu descanso.

Hoje, a soma de todos os dedos das minhas mãos com os dos meus pés, já não dá conta de medir a idade que carrego nas costas. É bem certo que ainda bem moço sou. Como é certo, também, que isto de idade não tem tanta importância assim. Importante mesmo é que logo cedo me tornei herói de mim mesmo e que, como o Zezé, tão logo desabrochei para a vida fui descobrindo o lado amargo das coisas.

Meu pé de Laranja Lima foi o primeiro livro que li do começo ao fim, sem pular páginas, sem saltar frases nem diálogos. O primeiro livro que li na vida. O segundo foi "O Pequeno Príncipe", do aviador-escritor francês Antoine de Saint-Exúpery. E foi o livro que, fazendo-me verter lágrimas tristes, despertou-me para o bem da literatura. Posso dizer que o livro Meu pé de Laranja Lima é a causa-mor de todo este meu gosto perante a arte feita de palavras.

Devia eu ter meus dez, onze ou doze anos neste mundo, e lembro que o li no rol da casa lá em Iraquara, deitado sobre o piso de azulejos retangulares e avermelhados e quase que diariamente encerados com cera líquida de coloração equivalente. Eu gostava de fazer as lições de casa ali, porque o chão estava sempre frio e limpo e tal harmonia me dava prazer. Outras vezes, e não raras eram as vezes, vinha minha mãe com um pires cheio de mel para me adocicar a tarde de leitura. E assim, neste ambiente doce, numa tarde azul-celeste iraquarense, li Meu pé de Laranja Lima como atividade proposta pela professora Dalva Menezes, ensinadora de coisas lá no saudoso Educandário José de Arimatéia.

Sim, já fui considerado o próprio cão por ter feito travessuras, que ainda hoje insisto em fazer. Já cantei para o meu passarinho interno. Sim, eu sempre soube que a gente quando quer, pode cantar para dentro da gente e ser feliz por isso. E sim, eu nunca acreditei em tudo que me diziam - hoje a coisa piorou -, mas nunca tive um tio como o Tio Edmundo², que vivesse por colocar caraminholas em minha cabeça, e das boas. Mas tenho consciência de que não é obrigatoriamente necessário ter um tio como o Tio Edmundo para ter sido como o Zezé. E sim, devo confessar, já levei muita pisa de currião vermelho por motivos improváveis e injustos. E meu irmão mais velho nunca foi de me ensinar a atravessar a rua, coisa que aprendi sozinho. Ele não tinha tanta paciência e quando eu brincava de carrinho no quintal de casa, depois de construir uma rede rodoviária com cacos de telha ou giz velho achados no quartinho dos fundos, eu sempre imaginava ter um irmãozinho mais novo brincando e se aventurando naquelas estradinhas junto a mim, como o “rei” Luís³.

Para ser mais direto, ninguém nunca teve assim a obrigação de me ensinar alguma coisa. O Educandário, que ficava na mesma rua Tito Luna Freire, sempre me pareceu mais uma obrigação do que um verdadeiro prazer. Com toda a modéstia, bastava-me um empurrãozinho pouco ou nem isso e eu já sabia andar com minhas próprias pernas, e fazer pipa sozinho para soltar no céu, e inventar brinquedo com lata de leite vazia, além de ler coisas que gente adulta lia, e tanto e tanto...

Um exemplo disso, de que eu sou mesmo o Zezé porque já o fui, é que eu mesmo já tive o meu cavalinho “Raio de Luar”, feito com cabo de vassoura e cabelos de milho na ponta para dar a idéia de uma crina. Fiz o meu Raio de Luar lendo um velho almanaque da minha mãe. Aliás, como o poeta Fabrício Carpinejar já disse, foi lendo livros que aprendi quase tudo, inclusive a abrir portas.

Pois bem, amigo, acabei de reler o primeiro livro que li em minha vida! Teimei muito tempo porque tinha medo de eu mesmo fazer com que todo o sentimento que tinha pela estória contida nele fosse amenizado, perdesse muito de minha fantástica primeira impressão. É quase sempre assim, ao tentarmos recordar ou viver aquilo que vivemos com a mesma intensidade de antes, saímos feridos por tanto dissabor. Mas não foi o que aconteceu.

E de novo lágrimas rolaram em meu rosto quando apontei na última página. Um nó na garganta porque Minguinho já não existia mais nem o Xururuca. Porque o Mangaratiba tinha atravessado ao meio o Portuga, aquele melhor amigo nosso da criancice que sempre temos. Porque tudo agora era lembrança e lembrança é uma coisa que não foi feita para menininhos órfãos de qualquer coisa além de nossas necessidades básicas. Lembrança é uma coisa dolorosa demais, até mesmo quando vem de um momento bom.

Meu pé de laranja lima me marcou profundamente, um tempo todo guardado dentro de mim, dentro de uma Iraquara paralisada pelo tempo, como um baú fechado e enterrado numa ilha esquecida. Uma vida que vivi, indubitavelmente. Uma obra juvenil para crianças de coração. E de novo tive cinco anos de idade, tive um caminho de coisas a descobrir, um mundo interessado em me ouvir, de novo vi a falta que o meu pé de manga rosa, que tanto me emprestou seus galhos para aventuras aéreas, fez depois que o cortaram, e de novo veio a importância dos pequenos gestos, das coisas mais ínfimas, dos sorrisos, a percepção de que eu sou um privilegiado e por isso não me devo penas por mim, me veio a força das pequenas crenças, o som de meus passarinhos internos, a cantoria bonita deles me dizendo "Vá, não desista agora!", e de novo a certeza de que fui quem mais sou, aquela criaturinha investida em descobrir o segredo dos cofres enferrujados nos galpões empoeirados da vida...


Notas.

1/2/3... – Todos personagens do livro Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos.

Cavalgadura


Por Germano Xavier

Uma estrela lilás
cavalgando em giros
meu paradeiro.
Na terra,
olhar acima e imótuo,
perscruto o azunegro céu
como Narciso as águas.
Uma estrela lilás
cavalgando em giros
meu paradeiro.
Uma poeira cai,
mansamente,
sobre meus olhos.
Vingam dois girassóis em arco-íris.
Uma estrela lilás
cavalgando em giros
meu paradeiro.
Procuro o sol e é noite.
Secos, tombam dois girassóis
murchos e intocados.
Fica o arco-íris.

Uma estrela lilás
cavalgando em giros
meu paradeiro.

sábado, 2 de julho de 2011

Mar de sargaços


Por Germano Xavier

tinha caído sobre minha mente um feixe de luz radiante de sentimentos. parecia até que eu havia acabado de entrar num castelo de ilusões difíceis de serem explicadas. numa noite truculenta e fria, seria mais ou menos assim, alguém com o precoce pensamento de que estaria fazendo algo de imenso valor abriria sua bolsa de couro, pegaria com suas mãos trêmulas as chaves do mundo e descerraria as portas das ruas e avenidas, para que eu, fraco e relutante, pudesse caminhar tranquilo. mas o choro saía de minhas cordas vocais sem que eu fizesse qualquer esforço para que isso viesse acontecer, e era como uma música. eu tinha motivos para acreditar que estava intoxicado pela loucura. todavia, como alguém pode ter disso em mente, se não sabe quem realmente é, onde está ou o que sente? maldita sensação, será que estou ficando louco? esporadicamente, esta era a pergunta que eu fazia quando me encontrava diante do espelho. não possuía a solução para todo esse formalismo pessimista e imótuo. a certeza advinha algumas vezes de meu inconsciente e me fazia passar por um mero personagem, sem papel definido ou peculiar a ser apresentado. com coragem e um pouco de insistência conseguia me desviar de alguns obstáculos que o passar do tempo acabava me revelando. não acreditava em mim - acho que mencionei pela primeira vez o Tempo! é, eu devo estar mesmo ficando louco, a ponto de saber de coisas das quais sou um profundo desconhecedor. sem a minha opinião e nenhum tipo de cerimônia me presentearam com um nome de santo. desconheço o motivo para tal, mas desconfio de uma música que parece ter influenciado muita gente neste país, de onde herdei os primeiros calos nas mãos e o suor quente no rosto. vários verões se passaram. agora jogo bola na rua com os meus colegas e já consigo distinguir a dor de uma topada da dor de uma separação, que presenciei nos meus idos anos de infância. falando nisto, a infância não esperou que eu crescesse e acabou indo embora muito cedo. mesmo assim, eu tentava reescrever a história que aquele seriado de televisão me mostrava naquelas longas e nubladas tardes de domingo. mas eu me sentia como se estivesse navegando sem rumo e solitário por um oceano sem fim. ao escrever, comecei a perceber que tudo aquilo que redigia era mais que uma simples verdade. duvidando de todos aqueles acontecimentos, que de uma hora para outra tornaram-se verídicos, exclamei: "não, eu não posso estar louco!" havia um personagem secundário que foi para mim um verdadeiro herói. digo mais, foi um ídolo que, usando a determinação e o caráter, tentava desobstruir qualquer forma de maldade e arrogância em sua nação. cresci ouvindo meus pais dizerem que a situação estava preta e que não haveria solução imediata. não assisti nenhuma entrevista ou depoimento do vocalista daquela banda... porém, ouvi uma das versões daquela canção fabulosa, na voz daquele homem, ao passo que tentava entender a razão para aquelas letras rebeldes, amorosas e de ritmos tão pulsantes... tudo no mesmo instante em que ouvia um cantor declamar versos, desconfiava de minha memória e de meus constantes descompassos. estaria eu sendo julgado como um réu ou será mesmo que me encontrava num espaço real, horizontal e sobretudo desumano? precisava retornar o fio da história inusitada que havia iniciado. eu trago comigo a lembrança castigante de encontros mal elaborados com amigos que sempre farão parte de minha vida. sempre quis defender algo, fosse uma idéia ou mesmo uma garota indefesa que, como aquela do filme que tinha um final feliz, necessitava urgentemente de auxílio para continuar tendo gosto pela vida. na realidade, eu amava ser utópico e visto pela terra como uma planta que num futuro próximo certamente daria bons frutos. finalmente, a história foi lida e aqui estou, pronto para o que der e vier, vagando pelas salas daquele mesmo castelo de ilusões, mas que agora não são mais tão difíceis de serem decifradas.