terça-feira, 30 de abril de 2013

Uma polca, panacéia de amores


Por Germano Xavier

E os dois caíram estatelados no meio do salão. Pareciam dois barbantes enormes de tão enrolados que estavam um no outro. Homem e mulher na mais perfeita conjunção carnal não-penetrativa. Tinham gastado bons tostões nas configurações dos seus aspectos externos. Carvalho, varão de espetaculoso porte físico, cortejou a dama trajando um fino terno negro que acobertava uma respeitosa gola-alta carmesim de procedência ibérica. Justo como uma luva do mais flexível látex, a vestimenta moldava o seu corpo numa quase-perfeição estética. O preço de tal aparato lhe custara as derradeiras glebas que possuía. Depois de perder o grande amor de sua vida, o ragazzo, no auge dos seus 28 anos, acabara perdendo o que de razão ainda havia em sua mente. Várias vezes pensara em suicídio. Estava mesmo em desesperada fase. Tinha de se ater a algo. Efigênia era uma moçoila graciosa, porém muito orgulhosa. Carregava consigo um sentimento atroz, vezes macabro e inefável. Conseguira o belo vestido de seda hachurada em cores diversas com a sua tia Amadulce, uma criatura ora ranzinza ora de coração mole, mas bem mole mesmo. Certamente era a sua melhor oportunidade para se livrar do seu mal visto estado social, posto a já alta idade que carregava nas ancas. Estava sentada, absorta em seus mistérios, quando foi acometida pelos toques sensíveis que o Carvalho lhe dera na altura dos ombros:

- Honra-me ter a senhorita como companhia nesta polca! Serei eu tão digno?

- Como não, belo cavalheiro! Aqui te presto as minhas mãos de virgem rapariga.

- Que reluzente consonância para uma devida parceria!

- Ah, tu mesmo sabes, a noite não respeita os solitários, querido.

- Tens razão, a noite é mágoa para os descortinados de alma. Diria o mais severos dos látegos!

- Amaldiçoa-me com teu veneno de homem - sussurrou a branca Efigênia, no ouvido esquerdo do moço.

- E tu fazes a escolha correta? - interrogou prontamente, depois do susto que lhe ocorrera empós da última fala da fêmea.

- E por que não?

- Pois não acho que sou o devido. Não passo de um ginete que mal sabe marchar. E sabe lá Deus as mulheres que abraçam esses tipos...

- Tens razão. Mas tu não aparentas deste infortúnio amanhecer-sofrer. És mui caudaloso o calor que emanas, digno de um bom fidalgo.

- Vejo que já estás em poder do meu veneno. E agora, o que devo fazer?

- Não sabes tu que o amor é um santo remédio?

- Não. Não é bem assim, senhorita! Eu apenas quis...

- Eu entendo. É tudo um jogo e nós somos os jogadores, enfim!

Foi quando os dois se abraçaram lentamente, pondo dobraduras nas peças que vestiam à surgirem no espaço de seus flancos. Um longo beijo estalou no nada curto silêncio interno dos dois. Foi quando caíram estatelados no meio do salão. E ao fundo, uma voz... "A noite não respeita os solitários, queridos".

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