quinta-feira, 6 de junho de 2013

Qual é a da poesia?



Por Germano Xavier

Poesia não é um crime premeditado, em que o escritor forja álibis ou procura esconder pistas sobre um "assassinato" de um indigente qualquer. Pode até vir a ser, se dominado, o poeta, pelo mal-do-tempo. Porém, na maioria dos casos, não é delito sabido. E é aqui onde o perigo reside. O poeta simplesmente atira seu projétil-verdade e acaba ferindo estruturas diversas, inclusive os andaimes que o sustentam. É claro que cometo algumas gafes, como por exemplo dizer "Eu vou escrever um poema". Mas todo homem tem o direito de errar uma vez na vida. Pensando assim, talvez o crime poético esteja aí, na falácia impensada e sem juízo de quem legitima sua escrita em pulsões distraídas e cobertas de uma volúpia insensata. Mas também é certo que, no maior do tempo, o poeta, aquele de verdade, costuma escovar os cabelos do silêncio e permanecer absorto, tentando se encontrar. Quem aqui irá dizer que não é necessário escutar-se, que não é importante ouvir seu próprio barulho interno, refletir, amar ou odiar a si mesmo?

Escrevo como quem existe. É mais do que lógico: ninguém hesita em existir. E não me venha dizer de defenestradores de quinta categoria, ébrios que ateiam fogo em suas carcaças doentias ou de loucos arrependidos. Se, por acaso, a poesia for uma atitude criminal, partirei do princípio de que ela tem o seu lado passional. E isto também é fato, indubitável. O poeta escreve porque ama, e também porque odeia. Odiar também é amar, amar inversamente.

Se você me perguntar o que é Poesia, eu simplesmente agirei da forma mais vaga possível. Eu não sei explicar, sinceramente. Não conheço sua face primaz, primitiva. Eu apenas suspeito de tudo. Acredito até que ela é uma "coisa" que não possui conceituação plausível e humana. A poesia transcende, duplica-se, quadruplica-se, perde-se em si mesma por tão gigantesca ser. Para mim, ela sempre foi algo maior que eu, muito maior, mil anos-luz maior que eu, um universo maior que eu. E sempre será uma explosão de música, de nervos, de pensamentos, surgindo de um ato quase sempre solitário, intransferível e altamente singular.

Se há alguma coisa que desejo nesse mundo é um dia escrever um poema. Mas sei que isso me ocorrerá apenas se eu não desistir no meio do caminho ou tropeçar nas pedras da vida, porque, como diria o nobel Elias Canetti, cada poeta que nasce ajuda a tecer um irrisório fio na poesia-una, na poesia total do mundo. Por isso sigo, lançando lanças em combates diários e quase sempre madrugadores. Poetar significa, entre tantas outras coisas, matar o Amor para que ele sobreviva sem a pieguice. Significa desbastar o poema para que fique somente o essencial, como tantos assim já disseram. É ter o verso como uma escultura ainda não lapidada: o rosto está lá dentro, sendo preciso descobri-lo extraindo pedra. Daí a dureza de escrever, o suor.

Há quem pense que o texto poético se faz derramando sentimentos no papel, inflamando o ego da namorada, chantageando os amigos com loas, descrevendo as belezas do mundo, registrando nossos melhores momentos no diário. É também, mas isso é o mínimo, e justamente o contrário. Não há de ser desabafo somente, poesia revela a realidade sem intermediários e filtros, ou é o próprio aparelho filtrante. Uma comoção, sem choro ou com, psíquica, nunca servindo para maquiar ou obscurecer o cotidiano, mas para apanhar os detalhes e as distrações que tornam o homem mais verdadeiro e intenso.

A poesia também faz sangrar, é preciso lembrar disso.

Um comentário:

Cris Campos disse...

Germano,

Concordo com o que dizes, mas penso que a poesia há que ser, antes de tudo, um lugar de liberdade. Nela me sinto livre. Sinceramente dou o maior valor no que disse aquele poeta, "Não quero mais saber do lirismo que não é libertação." Gr. Bj. doce poeta!