quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Teoria gramatical: implícita e explícita


Por Germano Xavier

Em nenhuma ocasião devemos, na importância de pesquisadores e estudiosos da língua materna, desprezar a essencial e vivaz existência de uma gramática dita implícita, internalizada nos indivíduos, intrínseca à natureza da sabedoria humana desde os instantes primeiros da vida. É dessa forma que, no excerto Teoria gramatical: implícita e explícita – A teoria gramatical interior da criança, o filólogo e linguista Celso Pedro Luft abre a discussão sobre as características e valores dessas duas teorias do universo da gramática, confrontando suas qualidades, relevâncias e usos.

Tão fundamental quanto acatar essa ideia é aceitar todo o mecanismo processual através do qual a gramática internalizada adquire legitimidade, desde o seu nascedouro até a sua prática/uso. Definida como sendo o universo de regras dominadas pelos indivíduos falantes, a teoria gramatical interior da criança, segundo Luft, brota na mentalidade do ser quando ainda apresenta-se na idade de mais ou menos 3 anos, sendo que por volta dos 4, 5 ou 6 anos o indivíduo operador de fala já desenvolve essa ação sem embaraço.

Pode-se dizer que a gramática natural ou internalizada é, indubitavelmente e diferente do que muita gente acredita, a real gramática da língua, sendo que é justamente dela que se originam as demais gramáticas livrescas, inclusive a explícita, esta considerada um produto e ensinada na escola. A gramática implícita completa-se através dela própria e também por meio dos indivíduos que jamais foram à escola, preconizando a ideia de que o simples fato de ser um analfabeto o impeça de se comunicar de maneira clara e objetiva por meio da língua. Este modelo gramatical está inteiramente relacionado com os conhecimentos prévios interiores dos falantes.

A todo instante, Luft escancara a grandeza da teoria gramatical implícita e faz inúmeros questionamentos acerca de como seria possível uma criança, independente de qualquer base intelectual ou habilidade, pode saber utilizar com tamanha maestria o objeto língua, debate com afinco as prováveis hipóteses que as crianças, mesmo em idade parca, utilizam e organizam em suas mentes para efetuar a elaboração de frases ou sequências de palavras, de uma maneira que esses ordenamentos sequenciados e frasais sejam compreendidos e vistos como pertencentes a uma determinada língua materna. A conquista da linguagem pelo infante se dá de maneira inconsciente. A criança verifica e analisa diversificadas hipóteses, escuta e apaga as falhas, arquivando as hipóteses que ela julga serem corretas em sua mente. Após isso, a criança, capacitada para falar e construir frases, faz uso ilimitado da sua teoria internalizada gramatical.

Destarte, a gramática interna da língua pode ser considerada uma sistematização de regras flexíveis para a fala, fazendo com que as pessoas, sem nenhum tipo de restrição, possam variar a fabricação da fala no que depender da situação e do lugar em que se encontram. Respeitando para isso, todavia, a noção de que a língua é mutante, variando dependendo da classe social, da faixa etária, do nível educacional, da localização geográfica, entre outros aspectos. Por assim acreditar, é verdade a afirmação de que não existe uma língua correta, o que existe na realidade são variedades linguísticas.

No final do texto, Luft deixa claro a sua posição de discordância acerca da necessidade do ensino da língua em ambiente escolar, mostrando-se muito insatisfeito com o problema. Diante de todo esse imbróglio, e trazendo a discussão para um âmbito mais aproximado do contexto dos educadores e futuros educadores brasileiros, é de total responsabilidade do educador perceber o iniciante no estudo linguístico como um ser que já conhece e já é fluente na sua língua. Fica óbvio que a prática do ensino da língua materna precisa urgentemente de uma reformulação.

O ensino deve aumentar gradativamente a habilidade de comunicação do aprendiz, manejar a língua de modo que essa labuta auxilie o mesmo a ir aperfeiçoando o uso do material linguístico de que dispõe por meio das ferramentas da fala e da escrita, olhando para as dificuldades dos alunos como mais uma proposta de superação e resolução de problemas, pois mexer com os “erros” do alunado é deveras uma ação instrutiva indispensável. O verdadeiro profissional da educação necessita estar lúcido para suspeitar que o fundamental não é o estudante interpretar frases, tampouco julgá-las analiticamente, mas sim guiar seus alunos na direção do uso de uma fala e de uma escrita sem embaraço em quaisquer situações de suas vidas. Ter em mente, sempre que for preciso, que o ensinamento de uma língua nada mais é que o aprender de uma linguagem. Nesse caso, o único e verdadeiro ensino é justamente aquele capaz de formar indivíduos seguros na prática expressiva de suas ideias, estejam elas na forma oral ou escrita. Mas como nem tudo são flores neste ambiente intelectual, há ainda os tradicionalistas que, por via de regra, aceitam apenas a norma dita culta, fato que transformam as outras variedades da língua em situações extremamente equivocadas.

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LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. 8.ed. Rio grande do sul:Editora Ática, s/a.

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