domingo, 10 de fevereiro de 2013

Por baixo da saia


Por Germano Xavier

Eu suspeitei de tudo, desde as primeiras horas da manhã. Eu suspeitei de absolutamente tudo. Estava tudo na cara. Tudo levava a crer que aquilo iria acontecer, mais cedo ou mais tarde. Mostrei-me um verdadeiro pascácio. Como fui bobo!

Você se sentou, retirou da bolsa um maço de cigarros e, com o auxílio de um isqueiro, acendeu um. Logo a primeira baforada acariciou a pele do meu rosto. Você não disse nada, e eu, completamente atônito, não percebi os dragões da paixão passeando pela atmosfera daqueles vitrais franceses.

"Quando começou a fumar?"

"Aos dezesseis."

"Por quê?"

"Não sei. Desgosto, talvez. Fui obrigada a dar para o dono da zona. Eu era ingênua. Fiquei traumatizada com aquilo. Pensei em me atirar de uma ponte qualquer, ou melhor, eu não pensava em mais nada. Passei a me detestar, a me odiar e a desejar que os outros também se sentissem como eu naquele momento da minha vida. Foi tudo tão rápido e brutal. Eu era virgem até aquele dia. Ele acabou com a pureza que havia em mim, mostrou-me o pecado. Não pude reagir, eu precisava de uns trocados... Lembro de tudo. Voltando para o sobrado onde eu morava de favor, passei em uma mercearia, ali na Travessa do Comendador, e resolvi comprar o meu primeiro cigarro. Estava muito triste, sentindo-me uma desgraçada, sem dignidade nem honra.

"E aí?"

"No outro dia, voltei à mercearia e comprei logo um maço. Fumei dez cigarros até cair feito uma pedra na esteira da saleta. Não tinha conseguido dormir na noite passada, foi horrível. Mas, como vê, hoje sou outra pessoa. Entrei para a igreja. Destino boa parte do que ganho para Deus. Ele me proverá o dobro. É a minha segurança, o meu tudo, é o meu Deus. Mas ainda sou caridosa com os homens..."

"Caridosa?"

"Puta, entende?"

"Desculpa..."

"Você parece que também é ingênuo..."

"Não, não pense isto! É que eu não quero olhar para você e pensar nesta situação."

"De puta?"

"Sim. Mas, por favor, não pronuncie mais esta palavra. Certas pessoas não combinam com certas palavras."

"Quer dizer que... mas isso é impossível. Eu não sou mais que uma puta!"

"Por favor!"

"Tudo bem, para você não sou..."

"Quanto tempo faz?"

"Do que?"

"Quanto tempo faz que... você..."

"O cigarro?"

"Não. Quanto tempo faz que você foi obrigada a dar para ele?"

"Perdão. Agora sou eu quem peço. Eu não sei. Talvez uns sete anos. A partir daquele dia resolvi desconsiderar o tempo. É tanto que, se você me perguntar quantos anos eu tenho, não saberei responder. Perdi a minha idade.

"Entendo."

"E você, o que faz aqui?"

"Não sei. Estou cansado. Essa semana foi difícil. É estafa mesmo."

"Entendo..."

"Então, gosta de vermelho?"

"Antes detestava, mas agora ele me cai bem. Sabe como é, a cor do pecado. Com ele no meu corpo, sinto-me mais poderosa, mais forte."

"Devia parar com isso, procurar outra profissão, outra coisa para fazer. Você acaba ligeiro levando esta vida, é um beco sem saída. Ninguém sobrevive por muito tempo fazendo o que você faz, pega uma doença, embarriga e é despejada, sei lá, e tudo o mais de ruim que possa existir."

"Eu gosto do que faço. Não sei fazer outra coisa, senão fazer os homens felizes. Eu nasci para dar o meu corpo a quem estiver interessado em comprá-lo. Sou das caras. Tenho orgulho disto. Sou das caras, só para os branquelos..."

"Não devia sentir orgulho por isso!"

"A gente tem que se orgulhar do que pode fazer, do que pode ser, do que pode sonhar. O meu sonho... sabe qual é o meu sonho? Meu maior sonho é desfilar em um conversível preto, um Cadilac daqueles enormes, vestindo um traje de gala, daqueles que as atrizes norte-americanas usam nas cerimônias de entrega do Oscar. Aquelas branquelas grã-finas também são putas, a única diferença é que elas usam coroas."

"Sabe, você devia se matar! Era o melhor que você faria."

"Verdade, seu cretino! Tenho certeza que esse desejo é o seu mesmo. Mas acredito que você não deixaria eu fazer isto sem antes eu dar o meu rabo para você! Estou errada? Seu cretino de merda! Passe bem..."

"Não, eu n..."

...

Naquela noite tomei todas. Estava desolado. Não sabia o que fazer. Não sei como cheguei em casa. De nada me lembro. Quando acordei, já no meio da tarde de hoje, fui à mercearia do bairro. Resolvi comprar um cigarro. Era somente um e aquela mínima quantidade não iria me viciar. Eu sei domar os meus vícios!

A primeira baforada foi seguida por uma tosse rouca. Pensei em morrer. Pensei seriamente em morrer, mas antes de decidir isto de uma vez por todas, fui novamente à mercearia e comprei um maço de cigarros. Fumei dez cigarros. Senti o meu silêncio. Novamente, não percebi os dragões da paixão passeando pela atmosfera da minha casa. Foi horrível.

Mas tudo mudou em minha vida. Hoje sou daquela igreja, daquele Deus. É nele que encontro a minha segurança. É ele o meu todo...

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