terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O tempo da gíria


Por Germano Xavier

Em maior ou menor grau, toda gíria é – ou pretende ser – a expressão máxima de um determinado grupo que se utiliza da linguagem verbal para efetuar fenômenos comunicativos. Expressão máxima porque é ela que assegura os limites de uma privacidade de compreensão em quesitos tidos como passíveis de sigilo ou segredação tribal. É natural à gíria o seu poder de guardar ou proteger um desejo por diferença. As expressões giriáticas, dentro do contexto maior da linguagem, buscam a todo instante a sedimentação tanto de uma marca lingüística pormenorizada – e ao mesmo tempo evoluída - quanto de um sentido que, sendo ele lógico ou ilógico, possua o poder de dar significado a algo ou a alguma ação humana, verbalizada ou verbalizável. Esta incessante procura em definir o que é particular a uma tribo social, como num processo de demarcação de uma dada territorialidade expressa através da palavra e suas ramificações, ocorre em sua quase total generalidade na esfera do coloquial. Por sua vez, a coloquialidade inerente à gíria traça para si mesma um perfil estritamente popular. Debutante que é ao que se apresenta como sendo de ordem cotidiana, e desprovida de uma armadura lingüística mais forte capaz de lhe oferecer a necessária proteção ao desgaste natural que o fator tempo impõe a tudo e a todos, a gíria tem entre suas maiores e mais visíveis características a efemeridade. Por nascer e morrer assim, tão aligeiradamente, no falar do povo, a gíria alcança o ápice de sua condição muito rapidamente. É quando o seu sentido extrapola o seu domínio inicial, vaza pelas brenhas de sua própria espacialidade, adentra outros universos, agride outros, prolifera-se na multidão, e termina por perder muito de suas particularidades e possibilidades. De todo modo, mesmo após sua morte, a gíria sobrevive – as mais contundentes, diga-se de passagem -, tal qual uma alma penada, agora funcionando como um registro de um tempo passante, passageiro, passado. Nelly Carvalho, professora da UFPE, em artigo publicado em periódico pernambucano, diz que: “A efemeridade da gíria toca nossa sensibilidade porque demonstra concretamente a passagem do tempo, dos fatos, dos homens, enfim, põe em relevo a fugacidade e a vida”. Não basta que usemos a expressão giriática a torto e a direito, é preciso conhecer o seu funcionamento, a sua situação dentro do contexto linguístico, a sua operacionalidade, a sua serventia. Deste modo, além de nos transformarmos em seres atuantes e participativos dentro de nossa língua, propendemos a melhor nos entendermos como seres em progressiva atualização, ao mesmo tempo individuais e coletivos, descartáveis como uma gíria de verão, eternos como uma gíria dicionarizada.

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