sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Um amor sem vésperas



Por Germano Xavier

Quando eu ia descendo os degraus que dão para o piso central do prédio onde estudo atualmente, fui cutucado nos ombros por uma moça muito estranha. "Eu queria um minutinho de sua atenção, por favor!?", disse a alma feminil muito - reforço - estranha. "Pois não!", respondi com um certo ar receoso e já analítico. Após um rápido instante, o véu da noite que encobre os primeiros aprochegos entre corpos humanos já havia se dissipado. Então, estendi a mão e cumprimentei-a como todo bom cavalheiro que se preze diante da presença de uma outra viçosa criatura. "Você pode me acompanhar até a biblioteca? É que eu tenho de devolver esses livros", disse a mulher. Entrei em parafuso. Sinceramente, eu não estava entendendo mais nada. Primeiro a moça disse que queria falar comigo, depois pediu que eu a acompanhasse até à biblioteca da faculdade, que ficava a quase um quilômetro de onde estávamos. Mas, quem seria essa pessoa e o que ela queria de mim?, perguntei com meus botões. Não tive para onde correr. Meu destino foi mesmo segui-la. E eu me perguntando a cada passo que dava: "O que é que eu estou fazendo aqui?" Foi aí que, logo na metade do percurso e sob o testemunho de uma ainda desfocada lua nascida prematuramente na tarde, a moça começou uma fala um tanto que inoportuna e esquisita. "Sabe, eu não sou daquele tipo de pessoa que esconde as coisas que já não podem ser mais ocultadas. Apesar de ser um pouco tímida, eu gosto de ser mais direta, de dizer o que tenho vontade de dizer na hora, face a face. Gosto de desafios, e é justamente por isso que estou aqui ao teu lado neste momento". Eu continuava a não entender nada, absolutamente nada do que aquela moça estava querendo. Creio que nunca dei tanto valor aos meus ouvidos do que dei naqueles "interessantes minutinhos". Eu era só audição, pura audição. "Desde o primeiro momento em que tive você refletido em meus olhos não mais consegui esquecer você. A tua imagem penetrou minha mente feito uma tatuagem que não se apaga. Idealizei você em meus mais recentes sonhos e devaneios. Imaginei você como o meu ponto de apoio, minha base, minha estrutura e alicerce mais firme de completude espiritual". E eu disse comigo mesmo um "ai, meu deus!", um tanto que sarcástico. Depois de rápida reflexão, tive a leve impressão de que já estava começando a entender as causas e os motivos daquela inesperada conversa. Nunca me achei bonito, porém eu devia ter alguma coisa secreta e adormecida dentro de mim que acabava despertando alguns sentimentos e sensações nos seres femininos. Para ser mais claro, devo dizer que eu despertava dois - ou desperto, pois não sei se isso mudou ou muda, assim, de uma hora para outra -, apenas dois sentimentos nas raparigas. Ou eu despertava simpatia - o que sempre achei ser menos propício - ou o meu jeito acabava avivando um parecer de aversão descontrolada. O certo é que haviam - não sei se isso ainda continua assim - meninas germanófilas e meninas germanófobas. E assim, constantemente eu entrava - entro? - em parafuso. Jamais quis que me adorassem, tampouco que me odiassem. Eu apenas desejava passar despercebido. Existem tantos homens por aí, muito mais angelicais que eu, que bem podiam desempenhar papéis cujo interesse meu é mínimo. Eu sou um sujeito taciturno, macambúzio, soturno, tenho um quê de ironia e desbondade e ninguém que eu conheça gostaria de se relacionar com um homem com esse perfil. "O teu jeito me conquistou. Eu percebo que você é diferente dos outros, que você é mais sensível que os outros, que você é único... por isso, eu queria saber se você aceitaria... pois, é como eu disse, eu gostei muito de você. Na verdade, o que eu quero mesmo é ser tua nam..." Após aquela explanação, ou melhor, após aquela declaração de amor, confesso que as palavras desapareceram de minha boca. Fugiram espantadas com a veracidade e potência daquelas asserções. E lá fui eu... "Mas como posso me alimentar de um amor não despertado e resplandecido em mim? Mentir o amor, para mim, é das maiores mentiras. Eu não posso comungar de seus desejos, posto que assim estaria sufocando o que há de mais nobre em meu ser, que é a sinceridade, a honestidade do meu gosto". Nesse ínterim, ocorreu-me um ondulante silêncio. Eu sabia que ela iria gostar, por isso resolvi recitar alguns versos do poema "Bilhete", de Mario Quintana. "Se tu me amas, ama-me baixinho. Não o grites de cima dos telhados. Deixa em paz..." Poucos instantes atrás, tinha ela me dito que adorava ler poesias. E num compasso meio que dúbio e instigante, foi-se uma conversa que não compartilho todos os dias. Ela amava o "poeta", recém-chegado àquela universidade. Ela queria o "poeta" para si, para que ele recitasse versos de amor antes do coito, ou depois do café da manhã, ou durante o jantar, ou antes do beijo de despedida diária, ou... Todavia, naquela hora, não havia o "poeta" que ela ouvira falar dias antes. Só havia um rapaz esquisito e que de nada entendia, nem das flores e suas fragrâncias, nem das belezas espontâneas, nem da verdade dos improvisos. Mas o que é o amor, senão a amizade em seu estado mais translúcido e conflitante? "Onde o vate em mim?", suplicava o rapaz que era eu. E pensar que nessas horas, toda a poesia transformara-se em um conto - este.

4 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem:

"The Day It Rained Forever II
by *terataki2005"
Deviantart

Ana Claudia disse...

Declaração inesperada. Isso me faz pensar no filme que vi ontem mesmo: Ata-me. É de assustar. E de mergulhar também.
O poema do Quintana é uma resposta bem dúbia do narrador para a moça, personagem assertiva. Quem gostaria de ouvir: "Deixa em paz a mim..."?
Bom conto!

Abraço

Jhony disse...

Amor: amizade em seu estado mais translúcido e conflitante. Foi de uma amizade que surgiu o meu amor pela minha namorada. Hoje somos namorados, mas também somos amigos, pois compartilhamos segredos, nos aconselhamos. O amor é isso: uma xícara de paixão, com duas colheres de sopa de amizade, bem misturado.

Acredito que tenhas ficado feliz com a declaração de amor. Quem não ficaria a saber que tem alguém que te gosta pelo teu jeito, pelo que és, sem restrições ou emendas...

Seus textos são muito bons de ler. Parabéns.

Cíntira's Castle disse...

' Que texto fascinante!
permite Uma leitura crescente, que envolve, encanta, prende.

Os fatos inesperados do viver...cmo o nome diz: inesperados! E por isso tão capazes de surpreender, gelar, espantar e emocionar!

De fato, muito bom!

abraço
:D