segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Fortuna crítica ( III )


Carol P., do blogue http://www.theartbrazil.blogspot.com/, andou por estas minhas plagas equatorianas e acabou escrevendo o texto que se segue, por mim abraçado como fortuna de autoconhecimento. Obrigado pelas palavras, Carol. Abraço forte. Continuemos...


somos o que não somos – é essa a dor canalha que dilacera?

Conheci dia desses um cara. Quer dizer, conhecer – levado à sola da letra, ou à ponta do termo – não conheci. Fui descobrindo na sintaxe dele algo muito além do rés-do-chão. Ou – o que me pareceu tanto mais interessante – palavras dele saindo de um pavimento de concreto-asfalto, portanto chão, e se tornando imagem, também imagem-chão.

E foi virando ideia fixa. Desde o início da semana. Em meio a um sem-fim de coisas por fazer, tic-tac do cotidiano abafado – e imprevisível – em que a gente residua, querendo ou não (eis um luxo que não nos cabe), foi virando ideia fixa passar sempre por uma galeria de palavras das quais eu ia dando notícia, de mim para mim, dia-após. Um equador das coisas. De coisas. Palavras hediondas. De um cara que se diz também hediondo. Equatorial no jeito de entranhar as coisas e de se deixar ensimesmado com o que extrai dessas mesmas coisas. Pudera! Uma escrita sem linha. Uma sintaxe que vai fluxoconscientizando dali, sendo esse ali um equador de coisas ou propriamente o chão.

Uma vigésima parte qualquer de um texto qualquer – foi o que eu li primeiro. E foi também o que eu mais pressenti não saber explicar. “Somos urgências e o nosso tom é de morte”. Ou de vida que só se definirá no ato mesmo-foice que, sancionado, poderá então sancionar. “O nosso tom é de morte”. E talvez o vício nos caiba mais do que um nome. Ou um lugar. Somos, afinal, urgentes. Os vidros dos carros, os faróis, cinemas e supermercados, homem depois de homem, semáforos, compromissos, mãos que apertam e surram, tudo isso nos vem descendo e entranhando, ainda que em (conta-)gotas. E em tempo que aos outros soa hábil. Ou não.

O que não somos, Germano-Equador-das-Coisas, é o que nos faz ser. E desfazer. Encontrar no que não foi dito uma sanção escamoteada – de morte, que seja! – ou ações que resvalaram sem dar o ar da sua desgraça nas páginas dos livros de tim-tim que nos fazem descer goela abaixo, naquela-ou-nesta faculdade de louros e letras.

Sentada nesta cadeira, de frente para a tela, aqui as letras suas entranham, ainda que. Expelindo coelho do que não sou, ou do que sou em demasia, de costas para o que não tenho, as coisas suas – equatoriais – aqui se se estranham, explicam para cegar, confundem e cegam. Mas é cegueira branca. Melhor dizendo, é transparente, sem ser isso ou aquilo que as pessoas acham por bem classificar. Foi o que me fez hoje, uma vez mais, ler texto-novidade seu. O de então sobre o cinema. Com o qual concordo discordando, porque assim vejo mais graça de começar a prosa, ou de encerrá-la por aqui mesmo.

Quem sabe um dia, sem sermos sócios de homens de negócios, tanto menos bartolomeus ou ptolomeus, não vamos dar nos atalhos de uma Vie Américaine, nos sobrados de um The Dreamers, nas trincheiras d’El Ángel Exterminador ou no enclaustramento absurdamente branco daquele 1,99-supermercado-que-vende-palavras?

O que não somos é, de fato, o que nos faz desfazer.

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Créditos da imagem:

"Vision
by ~Max977"
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