segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Do verbo mudar


Por Germano Xavier

Devíamos mudar de comportamento com a mesma frequência que trocamos a mobília da nossa casa. Uma nova decoração para cada etapa da vida. Papéis de parede e tintas coloridas deviam acompanhar a nossa infância. Aliás, as tintas coloridas deviam ser itens obrigatórios durante toda a nossa existência. São, de fato, muito importantes. Diria, para ser mais franco, fundamentais. Para a mancebia, cores mais instigantes, objetos mais pontiagudos e/ou afiados. Afinal, é um período de sangramentos, de cortes, de feridas e de cicatrizes. Mascarras e sequelas que servirão justamente para nos definir, para nos caracterizar (de caráter). Espelhos cairiam bem, muito bem. Espelhos por toda a casa. No quarto, atrás da porta. Na caixa do banheiro. Outro grande, bem grande mesmo, na sala de visitas. Um de igual proporção no quarto das crianças e um também na garagem. Assim como todos, este breve intervalo de tempo, se mal aproveitado ou mal utilizado, muito nos compromete e nos aturde. Por isso os espelhos. Necessitamos, aqui, estar sempre em contato com a nossa imagem, no desígnio de nos auto-encontrarmos, de realizarmos uma autocorreção diária. Já que andaremos feridentos pelas ruas dessa nossa imatura idade, é sempre bom saber enxergar as nascentes desses horríficos ferimentos. Para isso servem os espelhos.

Ó deuses, santificai os espelhos que podem refletir as almas dos homens!

Quando adultos, uma boa receita seria mesclar um pouco da inocência infante com o tom cinza da responsabilidade e das ações resolutas que sabem resumir bem as formas e perfumes desses vergéis, sem jamais esquecer de pôr uma pitada de amarelo-mostarda nesse prato, pantomina das conquistas pessoais, materiais e espirituais. Seria essa a fase do aprimoramento, da concretização e do reconhecimento. Uma etapa de muita cautela e paciência, de muita experiência. Os móveis, aqui, deverão estar muito bem combinados, em perfeita harmonia e ajuste. Sem folgas, os parafusos apertados no simbolismo da segurança, da racionalidade em detrimento da emoção. Nada de pinturas surrealistas ou abstracionistas na ornamentação. A distorção das coisas, dos fatos, aqui, não será de muita valia.

Agora, um sinal de alerta. Uma advertência para o estado das gavetas. Conservem-nas sempre muito bem fechadas, cerradas até o limite dos seus "umbrais", até que toquem as suas outras peças de contato. Não é proveitoso deixar brechas nesse patamar da vida, elas podem ser extremamente perigosas. Podem significar más influências, dissoluções e , acima de tudo, conflagrações que irão nos dissolver por completo, nos queimar e , na pior das hipóteses, nos tornar inúteis, meras estátuas de carne estragada ou aparelhos fungíveis.

Depois da fugidia aurora temporal, será preciso uma acurácia tamanha na arrumação e na escolha e na preferência das tintas que irão predominar em nossas vidas. Ao cabo dos semblantes marcados, caberá agora o uso de nossas ferramentas de defesa, de nossas armas de retaguarda. É o tempo de sermos insolentes, chegando ao extremo, de derrubarmos muralhas e fortes com os nossos aríetes ou com os nossos gládios, numa batalha mais dura. Um tanto que alquebrados, disporemos de nossa adormecida impudência, no justo intento de nos cobrirmos com os louros e com as glórias oriundas da sabedoria apreendida com o fel das quedas. É momento de contarmos os nossos proventos e não de lamentarmos os nossos infortúnios, os nossos átimos de agouro. É local de desfrute, de deleite e de congraçamento. O perigo aqui é cair no abismo da obscuridade, dos gestos desvalorizados, tornados escórias e refugos. Cabe aqui o olhar vivo, clínico, em busca de diagnosticar a fonte do gozo etéreo. Os pensamentos e ideais devem percorrer os caminhos da eternidade. Debaixo desses trovões, pensar efêmero é retroceder e, como já sabemos, a infância é, a essa altura do campeonato, apenas um retrato na memória.

Devíamos mudar de atitude com a mesma periodicidade que trocamos de roupa. Todavia, tudo tem de ser muito bem estudado e necessário mesmo. Ninguém deve mudar por mudar, assim, sem precisão. Para cada ocasião, um novo espécime de sorriso, um novo modelo de cumprimento, sempre mais afirmativo e veraz. Pela manhã, na companhia do sol, um "bom dia" radioso e claro. No descanso solar, o "boa tarde" amigo e, no silêncio da lua, o "boa noite" sincero. Certamente, agindo assim, seríamos muito mais felizes. O número de pessoas depressivas decresceria. O estresse não faria tantas vítimas.

Na vida, tudo é uma questão de arrumação e de bom senso. Se bem soubéssemos, a partir desse instante selecionaríamos as nossas amizades da mesma maneira que escolhemos as tintas que colorirão os cômodos de nosso lar. Selecionaríamos os gostos, se amar ou não, se querer ou não, se ir ou não, se ser ou não. Da mesma forma, jogaríamos fora as nossas desilusões, os nossos desapertos e desapegos, assim como descartamos algumas peças do vestuário. E viveríamos mais e melhor, sem distorções, sem desatinos. Então, o que você está esperando? Acho que é hora de uma faxina geral...

Um comentário:

Germano Viana Xavier disse...

Crédito da imagem;

"the Red piper
by ~inner"
Deviantart